Celso Rocha de Barros

Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra) e autor de "PT, uma História".

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Celso Rocha de Barros

Há cristãos de esquerda, bispo

Quem diz que é impossível ser cristão de esquerda é porque virou político de direita

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Em janeiro deste ano, o jornal da Igreja Universal do Reino de Deus publicou um artigo defendendo que um cristão não pode ser de esquerda. Eu sou católico e de esquerda. Não sei se Roma ou a Internacional Socialista protestariam muito se eu fosse embora, mas continuo aqui.

Por isso, demonstro a seguir que o artigo da Universal está errado.

O cristianismo não se adapta perfeitamente a nenhum programa político e é parcialmente compatível com a maioria deles. A questão de que partido político defende melhor os valores cristãos está sempre em aberto, a resposta é quase sempre "depende do valor, depende da época", e às vezes é "nenhum".

Texto da Igreja Universal com ataques à esquerda em que se lê "O que pensam o cristão e a esquerda"
Texto da Igreja Universal com ataques à esquerda publicado em janeiro - Reprodução/Igreja Universal

O artigo da Universal ataca a esquerda por apoiar ditaduras que perseguem cristãos, o que é correto. Mas não se pronuncia sobre o governo de Jair Bolsonaro, apoiado pela Universal, que é aliado da ditadura da Arábia Saudita. Bispo Macedo, conte pra gente, por que não há Igreja Universal em Riad?

O artigo da Universal também diz que a esquerda se opõe à família tradicional. Isso é mentira. A esquerda deixa a família tradicional em paz e defende políticas que as ajudem a prosperar, o que é tudo que a família tradicional quer da política.

A esquerda é, sim, contra a proibição do casamento LGBT. Se os fiéis da Universal não quiserem ser LGBTs, é direito deles. Agora, se quiserem usar a máquina do Estado, a lei, para proibir os LGBTs que querem se casar, parem de reclamar das ditaduras comunistas ou da perseguição que o Império Romano impôs aos primeiros cristãos.

Mas o que chama mesmo atenção no artigo da Universal são os assuntos que ele tem que evitar para poder dizer que não existe cristão de esquerda.

Pelo que se lê no Evangelho, a prioridade de Jesus Cristo eram os pobres, os perseguidos e os doentes. Nem pobres nem perseguidos nem doentes aparecem no artigo da Universal. Não há uma palavra sobre o que o cristianismo exige do cristão em termos de solidariedade com os menos favorecidos.

E esse é justamente o aspecto da esquerda que interessa ao cristianismo. As políticas públicas pró-pobres, e as lutas sociais que a produziram, são a conversão de César que interessa: colocar o Estado a favor dos injustiçados, dos pobres e dos doentes. Se isso for complementado pela ética de empreendedorismo e autoajuda que as igrejas evangélicas tão bem incutem em seus fiéis, maravilha.

A esquerda acha ótimo que igrejas cristãs ensinem os jovens a viver em comunidade e a sacrificarem parte de seu lazer para estudar e subir na vida. A esquerda também trabalha para que haja Prouni e cotas raciais para dar uma força pra garotada negra e pobre. Não há conflito nenhum entre essas duas coisas.

De modo que a Universal que me desculpe, mas é perfeitamente possível ser cristão e ser de esquerda. Eu posso não ser muito bom em nenhuma das duas coisas, mas tem quem seja.

Quem diz que é impossível ser de esquerda e cristão é porque já virou só um político de direita que demonstra pouca preocupação com sua fé, e nenhuma com a tarefa de fazer com que seus fiéis pobres tenham chance de vencer na vida.

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