Charles M. Blow

Colunista do New York Times desde 2008 e comentarista da rede MSNBC, é autor de “Fire Shut Up in My Bones"

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Charles M. Blow
Descrição de chapéu The New York Times

Racismo do criador de Dilbert expõe durabilidade da ideia da fuga branca

Cartunista disse em vídeo que 'o melhor conselho que eu daria aos brancos é se afastarem dos negros'

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The New York Times

Quando Scott Adams, o criador da história em quadrinhos "Dilbert" reverenciado por Donald Trump, citou estatísticas do instituto de pesquisa inclinado à direita Rasmussen Reports para justificar um discurso racista no qual ele aconselhou as pessoas brancas a "fugir como o diabo" de pessoas negras, que ele rotulou como "um grupo de ódio", as condenações vieram depressa.

Centenas de jornais suspenderam os quadrinhos, o editor de Adams descartou os planos de lançar seu próximo livro e ele disse que seu agente literário o "cancelou".

Então, o que havia na pesquisa? Adams referiu-se às respostas a uma pergunta: "Você concorda ou discorda desta afirmação: 'Tudo bem ser branco' [em inglês, ‘OK to be white’]". 53% das pessoas negras concordaram, 26% discordaram e 21% responderam que não tinham certeza. A maioria dos negros, em outras palavras, disse de modo inócuo que não há nada de errado em ser branco.

Scott Adams, criador da história em quadrinhos 'Dilbert', faz comentários racistas em vídeo no YouTube
Scott Adams, criador da história em quadrinhos 'Dilbert', faz comentários racistas em vídeo no YouTube - Reprodução

Mas antes de prosseguirmos devemos estabelecer o quão estranha, problemática e confusa é a pergunta. O que significa "tudo bem ser branco"? O que significava "OK" nesse contexto? E também: por que destacar as pessoas negras? 41% dos entrevistados que não eram nem brancos nem negros também não responderam afirmativamente. Além disso, 20% das pessoas brancas não responderam afirmativamente.

Essas pessoas também fazem parte de um grupo de ódio? É claro que não. Adams estava simplesmente sendo preguiçoso em sua análise e preconceituoso em sua avaliação. Durante sua crítica, ele disse que há anos se "identifica como negro" porque gosta de estar no "time vencedor" e gosta de "ajudar".

Como ele disse: "Eu sempre pensei: 'Bem, se você ajudar a comunidade negra, essa é a maior alavanca, você pode encontrar o maior benefício'. Então pensei: 'Bem, essa é a coisa mais difícil e o maior benefício, então eu gostaria de concentrar muitos dos meus recursos de vida para ajudar os americanos negros'".

Isso é como a senhorita Millie no filme "A Cor Púrpura" gritando "eu sempre fui boa para a sua gente" enquanto nos rebaixava.

Adams estava se consolando por ter falhado no papel de salvador branco enquanto justificava o abraço do fatalismo branco de séculos e a exaustão com o chamado problema negro, uma causa supostamente perdida e intratável que consome energia e recursos inutilmente porque, na mente de alguns brancos, os negros estão patologicamente quebrados.

Como Adams concluiu: "Não há como consertar isso. Não pode ser consertado. Você apenas tem que escapar. Então foi o que eu fiz. Fui para um bairro onde tenho uma população negra muito baixa".

Ele não é o único com essa visão ou abordagem. Desde o início do processo de fim da segregação escolar, na década de 1950; dos avanços do movimento por direitos civis na década de 1960, incluindo a aprovação da Lei da Moradia Justa de 1968; e da agitação civil nas cidades antes e depois do assassinato de Martin Luther King, vimos um tsunami de fuga branca que transformou cidades em todos os EUA.

Mas nas décadas que se seguiram, à medida que mais negros foram para os subúrbios para onde os brancos tinham fugido, houve certo refluxo da segregação e alguma esperança de que ela estivesse terminando.

Um relatório de 2012 intitulado "O fim do século segregado", do Instituto Manhattan, inclinado à direita, descobriu que "as cidades americanas estão hoje mais integradas do que estiveram desde 1910".

Agora? A América está se ressegregando. Uma análise de 2021 do Othering & Belonging Institute da Universidade da Califórnia em Berkeley descobriu que "de todas as regiões metropolitanas dos EUA com mais de 200 mil residentes, 81% (169 de 209) eram mais segregadas em 2019 do que em 1990".

Esse padrão contribui para a maior segregação em nossas escolas, o que a pesquisa mostrou ter resultados negativos, principalmente para crianças negras.

No entanto, Adams declarou alegremente que os negros são "haters" que precisam "resolver" seu "próprio problema" porque "todos os outros já resolveram". Ele disse: "Concentrem-se na educação e vocês também poderão ter uma vida boa".

Mas os problemas decorrentes da segregação –passada e presente– afetam as escolas públicas de ensino fundamental e médio e se estendem ao ensino superior. Um artigo do Instituto Brookings de 2021 observou que não apenas a diferença geral de riqueza entre negros e brancos permanece grande, mas "os brancos graduados em faculdade têm sete vezes mais riqueza do que os negros graduados", e estes "experimentam maior dificuldade para acumular riqueza do que os graduados brancos, porque acumulam mais dívidas de empréstimos estudantis".

O que Adams não reconhece –ou possivelmente não entende– é que os problemas que fazem as pessoas brancas como ele quererem fugir podem ser atribuídos, em grande medida, às decisões que muitos brancos tomaram.

Como colocou o relatório da Comissão Kerner de 1968: "O que os americanos brancos nunca entenderam completamente –mas que os negros nunca podem esquecer– é que a sociedade branca está profundamente envolvida no gueto. Instituições brancas o criaram, instituições brancas o mantém e a sociedade branca o tolera".

Sempre houve pessoas neste país que viram os negros como um problema, algo que precisava ser contido, suprimido ou evitado. Sempre houve aqueles que preferiram um ethos de fuga branca, que se sentiam mais à vontade com a homogeneidade, que achavam que a melhor maneira de lidar com os negros era o afastamento.

Foi assim que algumas pessoas no sul dos EUA reagiram quando os negros escravizados foram emancipados ou como algumas pessoas no norte reagiram quando multidões de negros começaram a chegar como parte da Grande Migração.

Quando a Califórnia estava elaborando sua Constituição para ingressar na União, o estado debatia a exclusão dos negros. O delegado que apresentou uma resolução de exclusão disse que com a migração de negros livres, o estado poderia se ver "inundado por uma população de negros livres", o que seria "a maior calamidade que poderia acontecer à Califórnia".

Dessa forma, o que Adams disse, embora racista, estava menos fora dos limites do conturbado cânone ideológico da América e mais de acordo com ele na questão de ter uma sociedade funcional, igualitária e pluralista.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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