Cida Bento

Conselheira do CEERT (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades), é doutora em psicologia pela USP

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Cida Bento

Para os amigos tudo, para os inimigos a lei

Muitas diferentes botas, não só a dos policiais, pisam no pescoço da população negra

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Os grandes escândalos nos jornais impressos e televisivos brasileiros são os chamados “crimes do colarinho branco”, termo cunhado por Edwin Sutherland, em 1950. Há vários estudos destacando as dificuldades de diagnóstico e punição desses crimes, e uma delas é o perfil do criminoso.

Estudiosos, em geral do campo jurídico, destacam que esses crimes não implicam em força física, como a maioria de crimes comuns. São praticados por homens que não são jovens, têm anos de experiência no ambiente onde praticam o crime, não são pobres ou periféricos e têm influência social e principalmente poder.

Os criminosos, com frequência políticos e empresários, são os principais responsáveis pelas crises econômicas que refletem diretamente na vida da população sem que ela note, podendo desencadear conflitos armados ou desestabilizar toda uma nação.

Existem legislação e ferramentas para puni-los, mas os estudiosos destacam que uma das dificuldades está em enxergar esse perfil de pessoas como o de um criminoso.

No lado oposto, o imaginário da autoridade masculina e branca não tem dificuldade em definir que ser negra, pobre e mulher significa ser suspeita, sofrer vigilância ostensiva, tratamento violento e humilhante, encarceramento e/ou extermínio.

Assim é que, em maio de 2020, uma mulher negra de 51 anos, dona de um bar na periferia de São Paulo, sofreu grave violência policial ao buscar interceder por um amigo que estava sendo agredido pelos agentes, após denúncia de uso de som alto. Ela, a mulher negra, fez uso de um rodo.

Ele, o policial branco, a empurrou, deu três socos. Ao ser derrubada, ela teve a tíbia quebrada. Ele pisou em seu pescoço, transferindo todo o peso de seu corpo para o pescoço dela.

Esse é mais um, dentre tantos casos, em São Paulo, de violência policial que teve um aumento de 70% em 2020, segundo dados da Corregedoria da PM.

Ela sobreviveu, mas muitos não têm a mesma chance já que negros são 75,4% dos mortos pela polícia, conforme o Anuário de Segurança Pública 2019, publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

E 90% dessas mortes não são investigadas ou, quando são, os casos acabam sendo arquivados como mostram três estudos destacados por Felipe Betim no jornal El País, em 2019.

O Judiciário, composto em sua maioria por homens brancos (juízes 84,5% e promotores 77%, pelo Censo CNJ/2013), de classe média e alta, e outros operadores do direito, pela ação ou omissão, sustentam a impunidade que legitima a humilhação e o genocídio da população negra.

Isso escancara que muitas diferentes botas, não só a dos policiais, pisam no pescoço da população negra.

É urgente que mais vozes do Judiciário, Executivo e Legislativo, que discordam do uso dessa violência e seletividade penal, adotem outros padrões de comportamento e manifestem publicamente sua discordância. Quem silencia concorda.

Acionistas de grandes corporações e investidores precisam sinalizar que não apoiarão governos violentos que desestabilizam e polarizam a sociedade.

Nesta semana de 25 de julho, dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, é preciso lembrar os esforços das organizações de mulheres negras e quilombolas na realização de outros contratos sociais e novos pactos civilizatórios em nossa sociedade.

Como nos ensina Angela Davis: “Não são as pessoas individualmente que decidem que a violência é a resposta; são as instituições ao nosso redor que estão saturadas de violência”.​

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