Cida Bento

Conselheira do CEERT (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades), é doutora em psicologia pela USP

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A importância do dado cor/raça

Ainda não sabemos o impacto da Covid-19 na saúde de negros, quilombolas e indígenas

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Desde o início da pandemia, são divulgadas informações de que a Covid-19 e outras doenças atingem desproporcionalmente mais negros e outros grupos étnicos, em diferentes países, como Reino Unido, EUA e Canadá.

O Department of Health and Social Care do governo do Reino Unido publicou em agosto que as taxas de infecção em grupos negros é em geral o dobro, quando comparadas com grupos brancos, e o risco de morte é 50% maior.

O CDC (Centers For Disease Control and Prevention), nos EUA, divulgou também em agosto estudos revelando que indianos, negros e hispânicos têm entre 2,6 e 2,8 vezes mais chances de serem infectados, cinco vezes mais chances de serem hospitalizados e duas vezes mais chances de morrer de Covid-19.

Assim como no Brasil, as populações mais vulnerabilizadas e periféricas são as mais afetadas porque têm mais dificuldades de acesso à saúde, maior exposição ao vírus em razão do trabalho que realizam e situação econômica mais precária.

Voluntários distribuem comida para moradores de rua em Opa Locka, na Flórida, durante pandemia de coronavírus nos EUA
Voluntários distribuem comida para moradores de rua em Opa Locka, na Flórida, durante pandemia de coronavírus nos EUA - Joe Raedle /AFP

No entanto, algo distingue o Brasil desses outros países: o fato de que não conseguimos saber o impacto da Covid-19 na saúde da população negra, quilombola e indígena, pois os dados sobre raça/cor continuam não sendo coletados e tratados, nos cadastros federais e em diversos estaduais e municipais.

A incorporação efetiva do quesito raça/cor nos cadastros vem sendo recomendada por instâncias do Judiciário, considerando as normativas que o país possui, mas ainda não foram atendidas.

São respostas à forte pressão de coletivos como o GT Racismo e Saúde da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), a Coalizão Negra por Direitos, a Sociedade Brasileira de Médicos de Família e Comunidade e de inúmeros grupos em todo o país, já que o dado não vem sendo colocado ou, quando aparece, não é preenchido em 72% dos cadastros, como respondeu, após provocação da deputada estadual Leci Brandão (PCdoB-SP), o próprio Ministério da Saúde.

O dado cor/raça faz parte intrínseca do perfil de uma pessoa, assim como nome, data e local de nascimento, idade, sexo e endereço, e é, ao lado de sexo e gênero, o mais potente definidor de lugares sociais.

Inúmeras experiências, como em Belo Horizonte, São Paulo, Recife e Salvador, bem como censos de diversidade de grandes corporações, vêm mostrando que as pessoas rapidamente preenchem os dados quando é feita uma campanha sensibilizadora, engajadora e informativa dirigida a quem pergunta e a quem responde o dado, enfatizando a importância dessa informação para orientar políticas públicas e privadas.

Em Salvador, por exemplo, conforme pesquisa realizada pela Secretaria do Trabalho da Bahia em parceria com o Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades, 90% dos cadastros não eram preenchidos com informação sobre raça/cor. Nos dois primeiros meses de campanha de conscientização e engajamento, o não preenchimento caiu para 37%.

Colocando no centro da crise as desigualdades e considerando as eleições municipais de 2020, a Rede Nossa São Paulo e a Fundação Tide Setubal propõem o projeto (Re)age SP – Virando o jogo das desigualdades, para repactuação de caminhos para a cidade que, numericamente, tem o maior contingente negro do país, é a maior e mais rica da América Latina e pode responder de maneira sistêmica e inovadora à desigualdade.

Ressalte-se que, em pesquisa da referida Rede, em julho de 2020, o paulistano destacou que é prioritário que a prefeitura combata as desigualdades, focando os grupos mais vulneráveis.

Quem sabe, assim, possamos exercitar coletivamente uma forma afetiva de cuidarmos de nossa cidade e de nós mesmos, munícipes, para, nas palavras de Bell Hooks, “enxergar o passado com outros olhos... transformar o presente e sonhar o futuro”.

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