Cida Bento

Conselheira do CEERT (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades), é doutora em psicologia pela USP

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Reforma tributária terá que enfrentar os privilégios para ser justa e solidária

Devemos lembrar que o imposto sobre grandes fortunas está previsto na Constituição, embora nunca tenha sido regulamentado na forma da lei

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O debate é recorrente, mas nunca se deu na intensidade dos últimos tempos. Em 2020, já são dez propostas de taxação de milionários tramitando no Congresso Nacional. Devemos lembrar que o imposto sobre grandes fortunas está previsto na Constituição de 1988, embora nunca tenha sido regulamentado na forma da lei.

A crise sanitária e a paralisação da economia causada pela pandemia da Covid-19 reabriram o debate sobre a capacidade financeira do Estado e, portanto, sobre as finanças públicas. O governo sinaliza com uma reforma tributária, mas em uma perspectiva conservadora. O retorno de uma possível CPMF, a ênfase na taxação de transações, simplesmente “o mais do mesmo” oculta o cerne do debate distributivo e que nunca é focado quando da discussão tributária.

O Brasil é desigual. A renda é extremamente mal distribuída, e a carga tributária, em vez de corrigir as distorções, inexoravelmente as reforça.

Esse debate é crucial para a população negra. A pandemia vem explicitando as fragilidades das periferias e a maior necessidade de que o Estado venha a cumprir suas funções na proteção da população ante a tragédia que se concretiza com a pandemia.

Documento recente da Oxfam Brasil traz algumas propostas, após explicitar que os ricos aqui pagam menos impostos que os pobres, proporcionalmente à sua renda. Uma distorção que advém do fato de que, no nosso sistema tributário, o foco está mais no consumo. Se quisermos reduzir as desigualdades, os tributos deverão focar mais a renda e o patrimônio.

As propostas priorizam: imposto sobre as grandes fortunas; imposto sobre resultados extraordinários de grandes corporações; redução de impostos para quem está em situação de pobreza; elevar ou criar taxas sobre rendimentos de capital.

Essas pautas ainda incomodam e provocam uma grande reação dos ricos brasileiros. Colocam em prontidão o lobby do sistema financeiro, que é imenso, mobilizando também a resistência dos grandes empresários e provocando-os a influir sobre o Congresso, impedindo que as propostas alternativas entrem na pauta.

Uma das mais frequentes justificativas contra o imposto sobre grandes fortunas é o temor de que provoque a “fuga de capital”, que, na verdade, seria a “fuga dos mais abastados”, que iriam preferir levar seu capital para o exterior, em vez de contribuir para o país, ainda que tenham se enriquecido nele.
Vale lembrar que, de março a julho de 2020, período da pandemia, 42 bilionários do Brasil aumentaram suas fortunas em US$ 34 bilhões, ao mesmo tempo que mais de 600 mil micro, pequenas e médias empresas brasileiras fecharam (Sebrae 2020) e mais da metade dos brasileiros não tem trabalho (Pnad 2020).

A recorrente falta de vontade política dos parlamentares para discutir a taxação de grandes fortunas coloca uma questão ética e moral sobre qual é o papel do Legislativo diante da desigualdade que atinge a população brasileira.

Somos uma das sociedades mais desiguais do mundo, e o perfil tributário corrobora esse cenário, que vem desestabilizando toda a sociedade e impedindo o desenvolvimento do país. As discussões no Congresso vêm focando a simplificação da tributação sobre o consumo, o que não resolve as distorções do sistema.

Não podemos nos descomprometer com a reconstrução social e econômica pós-pandemia do Brasil. É tarefa de todos os segmentos da população brasileira. Inclusive dos setores mais abastados.
A reforma tributária terá que enfrentar os privilégios para ser justa e solidária e para reduzir as desigualdades.​

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