Cida Bento

Conselheira do CEERT (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades), é doutora em psicologia pela USP

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Cida Bento
Descrição de chapéu mercado de trabalho

Ações afirmativas

Diferentes formas de resistência a elas podem ter como pano de fundo a branquitude

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Nesta semana, me lembrei de um caso relatado por meu irmão anos atrás, quando ele assumiu a liderança da área de contabilidade de uma grande empresa. Ele contou que dentre as contratações que fez estavam três pessoas negras. Então, um colega perguntou: você está querendo enegrecer a empresa?
Seu incômodo: ninguém havia perguntado como é que toda uma área com quase 40 profissionais era composta exclusivamente por pessoas brancas! 100% de cota que não precisava ser anunciada...Ocorria “naturalmente”.

Lembrei da história porque em reportagens dos últimos dias apareceram frases como: “A empresa está cometendo um ato de racismo!”. “Discriminação na contratação em razão da cor da pele: inadmissível!”; “Na minha Constituição, isso ainda é proibido...”. “E esse racismo, é do bem?”

Será que esses protestos referem-se às desigualdades raciais no mercado de trabalho, que são manchetes frequentemente? Infelizmente não!

Estão relacionados a duas iniciativas que podem ser classificadas como ações afirmativas, uma do Poder Legislativo e outra de uma grande empresa.

Gerou resistência entre dirigentes de grandes partidos a decisão de Ricardo Lewandowski, do STF, de antecipar a vigência da decisão do TSE que estabeleceu ações afirmativas para equidade racial na divisão das verbas do fundo eleitoral. Também provocou polêmica o anúncio feito pela CEO do Magazine Luiza acerca da implantação de um programa de trainees exclusivo para pessoas negras.

As diferentes formas de resistência às ações afirmativas podem ter como pano de fundo a branquitude, que se refere ao fato de que muitas pessoas brancas percebem sua condição racial como neutra e entendem que é apenas a meritocracia que faz com que o grupo branco, principalmente masculino, ocupe quase 100% dos lugares de decisão e comando.

Silencia-se sobre séculos da história de ambos os grupos, negros e brancos, que geraram diferentes condições de vida, considerando o racismo, que é estrutural, e continua ordenando as relações sociais, desequiparando as oportunidades.

De outro lado, cabe destacar que, em escala ainda reduzida, as políticas de ação afirmativa, em instituições públicas e privadas, vêm sendo implantadas há alguns anos. Muitas vezes restritas à inserção de jovens aprendizes ou estagiários, mas já é possível identificar iniciativas mais robustas.

Da mesma forma, em organizações da sociedade civil que estão buscando fazer diagnósticos sobre desigualdades em seu interior, rever processos de recursos humanos, formas de atendimento e produtos, o perfil de seu quadro de prestadores de serviço e, sobretudo, a busca por equidade racial nas oportunidades trilhadas por seus trabalhadores, desnaturalizando o lugar institucional de chefe e subordinado —respectivamente brancos e negros.

Em outras partes do mundo são muitos os exemplos de grandes corporações, organizações e órgãos públicos fazendo a lição de casa, buscando tornar-se mais equânimes no que diz respeito a raça, gênero, LGBTQIA+, pessoas com deficiência, desmantelando o conformismo e a inércia em relação às desigualdades históricas.

A polarização sobre o posicionamento das instituições tem a ver com as pressões crescentes dos movimentos sociais e de opinião favorável a essas políticas, fomentada pelas manifestações desencadeadas a partir da morte de George Floyd.

Ou seja, à resistência às ações afirmativas se contrapõe uma crescente conscientização social da urgência de agir contra o racismo institucional e estrutural. Parafraseando Martin Luther King, é preciso que os bons rompam seu silêncio e que suas vozes encubram os gritos dos maus.

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