Cida Bento

Conselheira do CEERT (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades), é doutora em psicologia pela USP

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Cida Bento

O tempo dos senhores da morte

Eles são numerosos e estão em muitas instituições brasileiras com a caneta na mão

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O desafio é escrever com mais leveza... é ser capaz de encontrar oásis no meio de tanta dor, é encontrar um cantinho, dentro de nós mesmas, para recuperar as energias, para retomar o passo.

Tempo difícil para preservar a nossa vida e a das pessoas que amamos. Tempo difícil para grande parte da humanidade, mas muito mais difícil pra quem vive num país que tinha muitas condições de evitar mortes pois teve chances de testar a população, de recorrer à vacina ainda em 2020 e evitar tornar-se o epicentro da pandemia no mundo.

Se como população brasileira sofremos ao ver milhares de pessoas morrendo a cada dia, tudo fica muito mais difícil quando a morte chega ao nosso convívio mais íntimo.

A pandemia levou minha cunhada. E as buscas por alternativas de curas, as correntes de orações, os laços de cooperação e solidariedade que unem nossa grande família desde sempre não foram capazes de mantê-la conosco.

As memórias de um grupo que se encontrava para cozinhar em família, para tocar e cantar samba, para comer e brincar juntos são memórias de vida insuficientes para enfrentar o tempo dos senhores da morte.

Eles são numerosos e estão em muitas instituições brasileiras com a caneta na mão, tomando decisões. Senhores da morte se propagam e aparecem em todo o canto, quando o território é fértil para isso.

Nosso ministro da Economia afirmou na terça (27) que não foi a pandemia que tirou a capacidade de atendimento do setor público, mas sim o “direito à vida”. O direito fundamental, grande vilão que incomoda tanto segmentos expressivos de nossas lideranças da economia na atualidade.

Todo o mundo quer viver cem anos, diz ele, destacando que a elevação das despesas em saúde decorre do processo de envelhecimento da população, que demanda mais serviços de saúde. Será que o ministro ficaria mais aliviado ao saber que em 2020, com a pandemia e as milhares de mortes diárias no Brasil, o tempo estimado de vida se reduziu em um ano em relação ao período anterior?

No cenário trágico em que vivemos, os senhores da morte focam as suas velhas agendas que ampliam a concentração brutal de riquezas e o aumento da extrema pobreza constatados nas manchetes dos jornais neste triste período pandêmico. Será que, quando alguns teóricos da economia afirmam que o “mercado” está fora dos territórios nos quais estão vigendo as normas da afeição humana, a empatia, a ética e a moral, eles estão sendo apenas realistas?

O significado da necropolítica conceituada por Mbembe nos ajuda a entender por que lideranças de organizações públicas e privadas se omitem ou agem ampliando os números de mortes a cada dia. E nós, aprisionados nos medos e desesperos e na frustração, como podemos recriar e ressignificar a vida?

Como viver o outro lado deste drama, exercitando a solidariedade, a empatia e a compaixão?

Reconhecer e participar das ações humanitárias que vêm mobilizando coletivos em todo o pais, de modo a assegurar a sobrevivência de amplas parcelas da população, pode ser um caminho. Proteger, fortalecer, cobrar de nossas instituições que cumpram seu papel de assegurar o direito pleno à saúde de toda a população, conforme preconiza a Constituição Cidadã, me parece ser nosso dever.

E finalizo rememorando uma filosofia africana —Ubuntu, que tem em sua essência respeito, solidariedade, empatia, valorizando a alteridade: “Eu sou porque nós somos”. Ubuntu é como uma ética social ligada à história da luta contra a violação da cidadania e dos direitos humanos. Uma sociedade com Ubuntu é acolhedora, hospitaleira, generosa e disposta a compartilhar.

É tudo de que precisamos neste momento!

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