Claudia Costin

Diretora do Centro de Políticas Educacionais, da FGV, e ex-diretora de educação do Banco Mundial.

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Claudia Costin

Eu acuso, eu recuso

Crédito: Robyn Beck/AFP Participants march in the 33rd annual Kingdom Day Parade honoring Dr. Martin Luther King Jr., January 15, 2018 in Los Angeles, California. The theme of this year's parade is ``When They Go Low, We Go High,'' inspired by a speech by former First Lady Michelle Obama at the 2016 Democratic National Convention. / AFP PHOTO / Robyn Beck
Americanos participam de parada em homenagem a Martin Luther King, em Los Angeles

Tivemos, nesta semana, nos Estados Unidos, o Dia de Martin Luther King. Poucos dias antes, o presidente do país fizera uma declaração sobre imigrantes considerada, por muitos, racista e profundamente ofensiva, ao explicitar suas razões para não querer receber pessoas da África e da América Central, em especial, do Haiti.

Nada mais inadequado para celebrar a efeméride: o reverendo King foi não apenas um ativista pelos Direitos Civis, especialmente pelo fim da segregação racial e dos preconceitos contra a população negra nos Estados Unidos, mas um campeão na luta contra a pobreza e a desigualdade. E o fazia por meios pacíficos, o que não impediu que, a despeito de ter sido laureado com o Prêmio Nobel da Paz de 1964, fosse assassinado quatro anos depois.

Em seu discurso ao aceitar o Nobel, Martin Luther King dissera: "Eu me recuso a aceitar a visão de que a humanidade está tão tragicamente presa à noite sem estrelas do racismo e da guerra, que a claridade do nascer do dia e da fraternidade não possa nunca se tornar uma realidade".

Na afirmação, um sonho cuja construção não pode ocorrer apenas com os ativistas, mas com ações de sucessivos governos que se comprometam com tempos melhores para a humanidade -e foi o que ocorreu, em parte, com a assinatura, naquele ano, da Lei dos Direitos Civis, um começo a ser continuado.

Mas podemos também, infelizmente, dar passos para trás, como se constata facilmente pela leitura atenta do que se passa no mundo. A marcha de milhares de ultranacionalistas na Polônia pedindo, entre outros slogans, "Uma Polônia pura, uma Polônia branca", em novembro, ou o fortalecimento da extrema-direita na Áustria e na Hungria, com fortes movimentos contra refugiados, fez lembrar fatos parecidos nos séculos 19 e 20, com funestas consequências: se há descaminhos na economia e sofrimento entre os nacionais, a culpa é do "outro".

Em contexto semelhante, numa França que perdera territórios para a recém unificada Alemanha, Dreyfus, um capitão de origem judaica, fora injustamente condenado por traição, num incidente eivado de antissemitismo, afinal, algum culpado deveria ser achado para limpar a honra nacional. Na ocasião, Zola, entre outros intelectuais, protestou, publicando seu famoso "Eu acuso", em que culpava generais e autoridades francesas pela farsa.

A mesma farsa procura distrair habitantes de vários países, desviando sua atenção para que não foquem a origem de seus males e não os enfrentem com firmeza e de forma não violenta —como queria o reverendo King—, mas se unam e lutem com força, contra o inimigo errado.

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