Claudia Costin

Diretora do Centro de Políticas Educacionais, da FGV, e ex-diretora de educação do Banco Mundial.

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Licença para matar ou a derrota do humanismo

Formas de defesa da nossa condição humana compartilhada sofrem hoje riscos importantes

Quando governantes, políticos ou juízes mandam mensagens em que minimizam a importância da vida ou da integridade física de adversários, eles dão aos cidadãos uma velada licença para matar. 

Não é por acaso que em sociedades polarizadas ocorrem ataques com vítimas logo após líderes populistas usarem em comícios eufemismos sobre a necessidade de se enfrentar até o fim seus oponentes ou minorias a eles associadas.

Episódios como o que vivemos no Brasil, a exemplo do assassinato da vereadora Marielle Franco, ou os ataques a bomba no Texas contra cidadãos negros tornam-se ainda mais terríveis por terem sido precedidos e seguidos de uma validação de malfeitos contra aqueles por quem se nutrem preconceitos ou de quem se discorda politicamente. 

Essa validação ocorre, em especial, por meio de uma fala em que direitos humanos deveriam ser reservados apenas a alguns, os assim chamados “homens de bem”.

Nesse sentido, não poderia ser mais atual o livro do psicólogo cognitivista Steven Pinker, “Enlightenment Now”, sobre a importância de se retomar alguns dos valores do Iluminismo, como o humanismo.

Esses ideais, aponta o autor, estariam agora particularmente ameaçados por visões contra as quais sempre teve que lutar, como a lealdade cega à tribo (real ou virtual) ou a culpabilização do outro, caracterizado como “malfeitor” pelos infortúnios sofridos.

De fato, o humanismo ou qualquer forma de defesa da nossa condição humana compartilhada —noção que foi construída a duras penas e vários revezes ao longo dos últimos dois séculos— sofre hoje riscos importantes. Mas a consciência do problema vem também, felizmente, crescendo, com recomendações de condutas inclusive para a educação das novas gerações.

Não é à toa que, ao detalhar os objetivos do desenvolvimento sustentável, a ONU incluiu o conceito de cidadania global, que se traduz em uma forte defesa da tolerância, respeito mútuo e construção da paz. 

Pesquisadores de educação vêm pregando o ensino de cidadania global em todas as escolas —um deles, Fernando Reimers, de Harvard, faz isso no livro recém-traduzido para o português “Empoderar Crianças e Jovens para a Cidadania Global”. 

Organizações como a OCDE passaram a introduzir em suas recomendações de currículo o ensino de valores e atitudes, em particular o comportamento ético, o respeito à vida e à diversidade e a solidariedade.

No entanto, essa tarefa se tornará extremamente difícil se os adultos que deveriam inspirar os mais jovens não forem mobilizados por valores humanos e julgarem legítimo desqualificar adversários, mesmo que já mortos, com calúnias e impropérios.

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