No último dia 4, minha mãe, Lidia Costin, faleceu, depois de viver por cerca de 15 anos com Alzheimer. Foi um processo penoso, mas a lembrança de sua história de vida trouxe grandes ensinamentos sobre como o ser humano aprende (e desaprende).
Lidia vivia com seus pais na Hungria em 1944, aos 13 anos, quando sentiu na pele os primeiros sintomas da noite escura que se aproximava: foi competir, na piscina pública de seu bairro, num campeonato de natação e não a deixaram entrar na água, a despeito de seu nome constar na lista. Era judia (embora não soubesse) e iria, portanto, contaminar a piscina.
Correu para casa chorando e, frente à confirmação dos pais, começou a entender o que se passava. Teve que usar a estrela no peito, foi expulsa da escola (apesar de seus documentos de matrícula identificarem-na como presbiteriana) e, por meio de uma operação associada a Raul Wallenberg, cônsul especial da Suécia, pôde fugir, como parte de um grupo de refugiados, inicialmente para Portugal e, de lá, só ela e seus pais, para o Brasil.
Em Portugal, depois de um tempo tendo aulas apenas com os adultos do grupo, conseguiu continuar seus estudos numa escola francesa de Lisboa, mas, ao chegar ao Brasil, não a deixaram prosseguir. Sua escolaridade se interrompeu antes de concluir o que hoje seria o 7º ou 8º ano do ensino fundamental.
Frente a esse problema, decidiu continuar a estudar sozinha. Frequentou a Biblioteca Municipal Mário de Andrade, buscava livros na Aliança Francesa e estudou matemática em livros-texto e, posteriormente, numa série de livros de autoinstrução.
Trabalhou alguns anos como desenhista técnica, o que pôde aprender com a ajuda do pai, que era engenheiro. Isso me rendeu uma lição de vida: ao relatar a experiência, disse-me que nós mulheres tendemos a ser perfeccionistas e não nos candidatar para nada que ainda não dominamos; temos que aceitar desafios, concluiu ela.
O maior deles estava por vir. Foi da primeira geração de programadores de computador formados pela IBM no país. Quando terminou o curso, em primeiro lugar, pediram seu currículo e ela confessou não ter sequer fundamental completo —o que não a impediu de ter informatizado o laboratório Fleury, a Kibon, parte da SKF e várias concessionárias de automóveis.
No fim de sua vida, olhei para esta mulher que não teve o direito de ser menina e que desaprendera tanta coisa e pensei que não trabalho com educação por acaso. Afinal, como sempre dizia a meus irmãos e a mim: “O que se aprende é a única coisa que nenhum ditador pode tirar de você”. Mas a doença, infelizmente, pode.
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