Claudia Costin

Diretora do Centro de Políticas Educacionais, da FGV, e ex-diretora de educação do Banco Mundial.

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Claudia Costin

A menina, a escola e uma rede proteção social

Escola oferece uma rede de proteção social à infância

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Na obra "Educated", a historiadora americana Tara Westover descreve sua própria infância, sem acesso à escola, vivendo numa família mórmon fundamentalista e claramente disfuncional. O livro, considerado um dos dez melhores de 2018 pelo New York Times, ilustra como crianças que sofrem abusos variados, como trabalho infantil, agressões físicas e atos irresponsáveis de adultos que as cercam, naturalizam esses fatos ao não conviver com professores e colegas de outras famílias. No caso, não se trata só de perdas de aprendizagem, da possibilidade de receber educação formal, mas também do isolamento que dificulta a percepção de violências sofridas.

De fato, a escola cumpre diferentes papéis. Sim, é lá que desenvolvemos competências necessárias para a vida adulta e vivenciamos uma introdução protegida à sociedade mais ampla. Mas há também outra tarefa importante, a de oferecer uma rede de proteção social à infância.

Na minha atividade de aconselhamento a secretários de Educação, não raro ouço, de alguns deles, relatos sobre violência doméstica, embriaguez e até sobre estupros de menores por familiares. O contato de educadores com essa triste realidade permite que, em muitos casos, a escola possa evitar sofrimento maior às crianças, assegurando-lhes uma rede de apoio que inclui psicólogos, conselhos tutelares e Ministério Público.

Infelizmente, nem todos os casos são pressentidos por professores ou chegam a seu conhecimento, e situações tristes como a do estupro recorrente de uma menina de 10 anos por seu tio acabou se tornando visível apenas por ela ter engravidado. O fato de, com a Covid-19, as escolas estarem há mais de cinco meses fechadas pode ter levado a que nem mesmo a gravidez tenha sido notada na escola.

É importante, nesse sentido, que possa haver espaço para uma escuta qualificada do que dizem ou tentam dizer meninos e meninas. Isso será certamente decisivo na volta às aulas, com uma atividade estruturada de acolhimento. Tanto tempo de isolamento com seus familiares pode ter resultado não necessariamente em situações similares às vividas pela autora do livro ou pela criança do Espírito Santo, mas talvez deixaram marcas fortes nos alunos, dificultando-lhes a recuperação das aprendizagens perdidas durante o fechamento das escolas.

No retorno às atividades presenciais, muita coisa estará diferente, inclusive sentimentos, medos e cicatrizes. Mas esperemos continuar a poder oferecer proteção ao sagrado direito das meninas de viverem sua infância felizes e em paz. Nem todas conseguirão se reinventar como fez a Tara Westover, a autora do livro.

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