Claudia Costin

Diretora do Centro de Políticas Educacionais, da FGV, e ex-diretora de educação do Banco Mundial.

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Claudia Costin

Viver para contar

No futuro, histórias serão partilhadas, inclusive sobre a pandemia. Que tal incentivarmos as crianças a contá-las?

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Num livro com esse título "Viver para Contar", Gabriel Garcia Márquez relata suas experiências de vida e as de sua família mais próxima.

Não se trata de experiências de sofrimento, ao contrário, mas ao ler a obra do premiado escritor colombiano, lembrei-me de como somos todos portadores de narrativas familiares que gostamos, por vezes, de compartilhar. No meu caso, tenho a nítida sensação de que preciso escrever sobre o que se passou com minha família na Segunda Guerra.

De fato, há histórias mais pesadas que nos perseguem como um carma. É aquilo que não é dito, é intuído do que ocorreu com gerações anteriores e que reaparece como hipótese ou até como assombração —nos dois sentidos do termo.

É como se tivéssemos que descobrir o que houve exatamente ou o que levou determinado membro da família a algum comportamento difícil de entender no contexto atual.

Conheci um músico gaúcho, Claudio Levitan, que, com Arthur de Faria, compôs uma combinação de canção com poemas recitados, a “Minha Longa Milonga”, sobre o que ocorreu na pequena cidade de Keidânia, na Lituânia, em que quase todos os judeus do vilarejo foram reunidos pelas forças nazistas num cemitério e foram, em seguida, assassinados.

A canção resultou de um silêncio profundo de seu pai sobre o que ocorrera com a família. Claudio só pôde descobrir a verdade ao encontrar, após a morte do pai, uma urna com cartas trocadas entre ele e seu irmão. Viajou até a Lituânia e descobriu, em tristes detalhes, toda a tragédia.

O relato feito composição acaba tendo assim um efeito catártico. “Minha longa milonga me leva para longe de mim / Não deixa eu me perder na dor”, soluça o autor ao contar o que descobrira.

Mas as histórias que somos condenados a contar não são só de sofrimento, como a da família de Levitan ou a de Scholastique Mukazonga que, em livro traduzido para o português, o “Baratas”, descreve em cores carregadas —como não poderia deixar de ser— o que viveu no terrível genocídio ocorrido em Ruanda. Incluem também glórias não reconhecidas ou eventos que a história ainda não registrou.

Ao não lograrmos ser a voz dessas narrativas não ocorridas, dados os silêncios dos que as vivenciaram, parte de nossa identidade nos será roubada. Keidânia ajuda a constituir o que Claudio Levitan é, assim como a primavera de 1944 em Budapeste, relato por anos não revelado por minha mãe, tirou de mim a possibilidade de estar em paz com parte do que sou.

No futuro, certamente outras histórias serão partilhadas, inclusive sobre o que se viveu durante a pandemia, num plano individual e familiar.

Que tal incentivarmos as crianças a contá-las?

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