Claudia Costin

Diretora do Centro de Políticas Educacionais, da FGV, e ex-diretora de educação do Banco Mundial.

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O Youtuber e Machado de Assis, ou uma polêmica bem-vinda

Finda a escolaridade obrigatória, a leitura literária será abandonada por muitos

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Uma polêmica apareceu nos últimos dias, nas redes sociais, a partir de um comentário do youtuber Felipe Neto, sobre a atitude de escolas que tornam as obras de Machado de Assis obrigatórias. Segundo ele, o que deveria ali ser promovido seria a leitura por prazer, de forma a constituir, nas jovens mentes, o hábito de ler como uma atividade para toda a vida.

Li com profunda simpatia as diferentes posições, apreciando um dos raros momentos, nas redes, em que debates virtuais não se transformaram em ofensas que destilam um ódio típico destes tempos polarizados. Mais ainda, imaginei um Machado assaz divertido ao ler, de um outro mundo, as postagens que a segunda década do século 21 lhe reservariam.

Devo me confessar uma grande admiradora de Machado de Assis, um de nossos maiores escritores, um homem à frente de sua época, crítico de valores associados a aparências e à superficialidade humana na busca de status e do bacharelismo vigente. Mas entendi que nem sempre a linguagem do século 19 pode ser fácil para os adolescentes deste tempo de informações imediatas e superficiais.

Cada grande e branca, cheia de janelas, à beira do mar
Ilustração de "Quincas Borba em Quadrinhos", adaptação do romance clássico de Machado de Assis - Divulgação

Num contexto em que adultos letrados leem muito pouco e não são vistos lendo livros por seus filhos, é compreensível que os jovens não percam tempo lendo outra coisa que não o que a escola lhes exige. Finda a escolaridade obrigatória, a leitura literária será abandonada por muitos. É o que mostra a última edição da pesquisa Retratos da Leitura, que nos coloca claramente como um país de não leitores. A média de livros lidos entre os entrevistados por ano é de 4,95, menos do que em 2015, e só 2,55 deles lidos por inteiro.

Assim, cabe sim à escola fomentar a leitura por prazer, oferecendo livros que atraiam o interesse das novas gerações. No entanto, esse não é o único papel de instituições de ensino.

Uma das competências mais importantes a ser desenvolvida nos alunos no século 21 ainda é ensinar a pensar. Em tempos em que o trabalho humano, inclusive o que demanda habilidades intelectuais, vem sendo substituído por algoritmos, formar pensadores independentes, com um repertório cultural variado, aptos a entender a cultura de seu tempo e sua gênese, torna-se uma prioridade.

E a literatura nos ajuda a entender não só fatos pretéritos, mas as análises que, a cada época, eram feitas —tanto em obras ficcionais como de não ficção— sobre a organização da sociedade.
Machado, nesse sentido, é fundamental e merece uma introdução à altura, instigante e engajadora, feita por bons professores, que orientem os alunos na leitura de suas obras e os ajudem a nelas navegar com profundidade e prazer estético.

Machado de Assis - Reprodução

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