Claudia Costin

Diretora do Centro de Políticas Educacionais, da FGV, e ex-diretora de educação do Banco Mundial.

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Descrição de chapéu Facebook

A queda das redes e a liberdade para agredir o outro

Nas redes, há a curiosa defesa do direito de agredir

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Nesta segunda-feira (4), diferentes redes sociais saíram do ar, prejudicando a comunicação e o trabalho de muitas pessoas no mundo todo. Para além da migração para redes alternativas e da perda momentânea de valor do Facebook e adjacências, o fato gerou uma onda de memes brincando sobre familiares que puderam se reencontrar, apesar de viverem na mesma casa, e sobre pessoas que descobriram que existem outras fontes de prazer.

Talvez o repentino desaparecimento desse mecanismo de conexão possa servir para nos levar a pensar no que fazemos nas redes. Muitos as utilizam para defender suas ideias, outros para informar sobre momentos marcantes vividos, postar fotos de viagens ou ainda compartilhar notícias ou blagues. Mas algo unifica a maior parte dos usuários: falamos com nossa bolha. Aqueles que pensam como nós e, eventualmente, admiram o que fazemos.

Neste contexto, a interrupção poderia nos levar a perguntar se não estaríamos apenas pregando para os convertidos ou mostrando para os prosélitos uma bravura que na vida não virtual não temos: a coragem de ofender, humilhar, em suma, agredir o outro que pensa diferente. O mundo das redes sociais nos permite conectar com hostes que se opõem a grupos percebidos como inimigos, ou ainda que não aceitam entrar no embate nos termos propostos. Permite igualmente o disparo de milhares de mensagens idênticas e igualmente ofensivas, utilizando robôs.

Isso me lembra do clamor de grupos que nas redes defendem a volta da ditadura e, paradoxalmente, ao mesmo tempo, propõem maior liberdade e o fim da censura. Trata-se da curiosa defesa do direito de agredir e semear ódio inventando verdades, sem sofrer sanções.

Cabos cortados em frente ao logotipo do WhatsApp - Dado Ruvic/Reuters

As regras de convívio social estabelecem que minha liberdade é limitada pelo direito do outro, como já colocava, no final do século 18, Jeremy Bentham e, no século 19, John Stuart Mill. Em ambos, fica clara a ideia de que causar propositadamente sofrimento gratuito ao outro é eticamente errado e que o limite à liberdade individual se relaciona com a dor a que exponho as pessoas.

Em outros termos, a liberdade para agredir seria a de cometer crimes. Incluem-se neste conceito a desqualificação do adversário em embates políticos a partir de preconceitos —é negro, judeu, homossexual, mulher— ou a invenção de malfeitos cometidos, inclusive com o apoio do chamado "deep-fake" de vídeos fora de contexto ou manipulados.

A educação das novas gerações para uma prática distinta é fundamental. Que possamos ter, no futuro, adultos aptos a debater ideias sem clamar pelo direito de impunemente agredir e ofender quem pensa ou é diferente.

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