“Você troca um Maverick prateado por uma cueca furada?" Dentro da cabine à prova de som, o candidato desesperado para ganhar o prêmio do programa de auditório ia para o tudo ou nada. Se dissesse não, podia perder o carro. Se dissesse sim, também.
“Sim!” A cara do infeliz ao sair da cabine, ainda na expectativa de ter dado a resposta certa, o Maverick brilhando como a esperança dele. A cara do infeliz ao receber a cueca usada e furada, o sorriso amarelo de quem, na frente das câmeras, ainda precisava fingir um fiapo de espírito esportivo.
Em geral, depois de aguentar o deboche do apresentador e da plateia, o candidato ficava no palco para assistir a algum número musical, crianças do colégio Lábaro Estrelado se esganiçando ao seu lado, a cueca usada e furada nas mãos. Suprema humilhação seria secar as lágrimas com ela.
E pensar que a gente achava graça nisso.
Corta para 2021, ano recém-começado que, até o momento, parece a prorrogação de 2020 —que os mais pessimistas dizem que jamais vai.
A cabine milionária já não é atração de programa de auditório, agora ela está instalada na Câmara e no Senado. Também foi turbinada, passou a ser cabine bilionária. Com o custo de vida de hoje, dá para entender os zeros a mais.
Vai começar o jogo. O dono do programa é o animador de auditório mais famoso do Brasil, que arrasta a sua claque por onde passa. Nada a ver com a simpatia das fãs que gritavam “lindo, lindo!” para os seus ídolos. A claque, hoje, é ignorante, desbocada e grita “mito, mito!”.
“Você troca a sua dignidade pelo remendo de uma estrada na sua base eleitoral?”
“Sim!” “Você troca a sua, vá lá, biografia política por três carros para a PM da sua cidade?” “Sim! Você troca a sua vergonha na cara por um puxadinho no templo da sua devoção? Sim!”
Multiplique por 250 deputados e 35 senadores e a cabine chega aos R$ 3 bilhões. Ganha quem botar os aliados do dono do programa no poder, sem interessar processos e acusações pregressas. Depois é só comemorar ao som de sertanejo em uma mansão de Brasília. Atenção para o “dress code”: sem máscara.
Se você, como eu, se sente com a cueca usada e furada nas mãos, seque as lágrimas com ela. A essa altura, não é humilhação. É o que nos resta.
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