Cláudia Collucci

Jornalista especializada em saúde, autora de “Quero ser mãe” e “Por que a gravidez não vem?”.

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Cláudia Collucci

Microcefalia já era endêmica antes do zika 

Bebês com a deficiência em Pernambuco seguem desassistidos


Cinco anos antes da epidemia de zika, os casos de microcefalia já eram considerados endêmicos, ou seja, ocorriam habitualmente e com incidência significativa. Com o vírus zika circulando, em 2015, a anomalia passou para o status de surto.


É o que aponta um estudo da Faculdade de Medicina da USP-Ribeirão e da Universidade Federal do Maranhão publicado na revista Pediatrics Official Journal, da Academia Americana de Pediatria.

No trabalho, os pesquisadores avaliaram 4.220 crianças nascidas em São Luís, capital do Maranhão, e 6.174 crianças em Ribeirão Preto, interior de São Paulo, entre janeiro e dezembro de 2010.

Nasceram com microcefalia 3,5% dos recém-nascidos de São Luís e 3,2% de Ribeirão Preto que participaram da pesquisa.


A taxa média de prevalência de microcefalia prevista pelo Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) do Datasus em 2010 foi de 0,57.

Os casos de microcefalia severa grave também foram maiores do que o esperado: em São Luís, a  prevalência foi de 0,7% e em Ribeirão Preto, de 0,5%. A taxa esperada é de 0,14%.

Como bem lembram os pesquisadores, a microcefalia tem várias outras causas além da infecção por zika. Na pesquisa, o consumo de álcool e tabaco durante a gravidez estiveram associados à anomalia.

Não chega a ser novidade o fato de a microcefalia por outras causas além do zika ser subnotificada. Em 2016, o Eclam (Estudo Colaborativo Latino-Americano de Malformações Congênitas) já havia estimado que 66% dos casos de microcefalia graves não são notificados.

A questão é que esses casos seguem invisíveis. Mesmo as famílias e as crianças vítimas da microcefalia causada por zika continuam não recebendo tratamento adequado após dois anos da epidemia.

ABANDONO

Apenas 14% das 400 crianças com a confirmação de microcefalia relacionada à síndrome congênita do vírus da zika receberam o atendimento completo para reabilitação, segundo dados do próprio Ministério da Saúde.

Agora, o projeto “Cadê Você? Um Olhar para o Recife no Contexto do Zika Vírus”, do Instituto Mara Gabrili, revela o abandono de muitas dessas famílias.

O cenário mostra a falta de conhecimento sobre a deficiência e a ausência de oferta de tratamentos às múltiplas deficiências que a microcefalia acomete.

Um recorte, feito com cem famílias de bebês com microcefalia, mostra que as mulheres seguem sem planejamento familiar e sem informações sobre as formas de prevenção da síndrome.

Também há falta de informação sobre o diagnóstico de microcefalia e suas comorbidades (existência de duas ou mais doenças em simultâneo).

Segundo o relatório, as famílias têm, em geral, pouca estrutura emocional para lidar com os problemas relacionados à deficiência. Há mães que não conseguem tocar os seus filhos de forma afetuosa, por exemplo.

A maioria das mães demonstrou sentimento de desesperança quando questionadas sobre o futuro de seus filhos. Sentem-se usadas, pois participam de algumas pesquisas de instituições, mas nenhuma ação realmente eficiente se concretizou em suas vidas e nenhuma dessas intervenções tiveram continuidade.

Também relatam um sentimento de abandono por parte dos serviços de reabilitação. Segundo o relatório, as mães ainda têm falsas expectativas de cura que são ocasionadas por dúvidas não sanadas ou pela não elaboração do luto pelo filho perfeito.

O projeto, financiado pelo Fundo PositHIVo por meio de uma parceria com a Bayer, fez parte da “Caravana: Mais Fortes Que a Zika”, que percorreu as cidades pernambucanas Goiana, Olinda, Petrolina, Recife e Caruaru

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