A dor tem pautado meus últimos dias. Do ponto de vista pessoal, uma adenomiose me levou a experimentar um sofrimento físico até então nunca vivido__agora sob controle.
No âmbito profissional, participei de um encontro na semana passada em Lima (Peru) sobre cuidados paliativos em que o subtratamento da dor foi um dos principais temas.
As palestras e as conversas com os especialistas me remeteram a outras experiências vividas recentemente com pessoas próximas que tiveram câncer e que sofreram dores alucinantes.
Seja pelo desenvolvimento da doença, seja pelas sequelas do próprio tratamento, grande parte dos pacientes com câncer sentem dor. É um quadro tão frequente que parece incrível que esse tema ainda seja tão negligenciado.
Um dos palestrantes em Lima fez uma colocação perfeita: a dor não tratada é tortura. A frase me remeteu às últimas horas da minha mãe, aos últimos dias da minha tia, e às últimas conversas com minha amiga.
A dor foi a protagonista em todas essas situações. Roubou o sorriso da minha mãe, o bom humor da minha tia e o otimismo da minha amiga.
Governos, gestores, instituições e profissionais de saúde ainda não dão a merecida atenção ao tema. Como pode um médico pensar no combate de uma doença como o câncer sem priorizar, ao mesmo tempo, o tratamento da dor?
Duzentos anos depois que a morfina começou a ser distribuída, persistem os mitos e os preconceitos sobre esse analgésico, capaz de aliviar dores severas.
A falta de conhecimento de profissionais da saúde sobre o manejo da dor, a burocracia em certas instâncias governamentais para a prescrição de remédios à base de opioides e o medo de famílias e dos próprios doentes são as barreiras que ainda dificultam o alívio da dor.
De um lado tem o medo da dependência, agravado pela crise de opioides e mortes por overdoses nos Estados Unidos. Porém, em situações de pacientes graves e sem chances de cura, esse temor é despropositado.
Por outro lado tem o fato de que as pessoas tendem a relacionar a morfina à morte. Não faltam histórias de parentes que morreram logo após receberem a medicação. Para os especialistas, nesses casos, é possível que a morfina tenha chegado tarde demais, quando o doente já estava à beira da morte.
De uso controlado (receituários de controle especial), essas medicações têm distribuição deficitária no SUS. No interior do Norte e do Nordeste, a falta de acesso aos opioides é dramática. Para a compra, além de toda a burocracia, são drogas caras para grande parte da população.
Os médicos relatam que não raras as vezes se deparam com pacientes que tomam doses menores que as indicadas e apenas quando passam do limite de suportar a dor.
Na próxima quarta (17), a Folha realiza seu primeiro evento para tratar do tema da dor. No seminário "Viver sem Dor" falaremos sobre o subtratamento, o abuso de medicamentos e a dor social.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.