Cláudia Collucci

Jornalista especializada em saúde, autora de “Quero ser mãe” e “Por que a gravidez não vem?”.

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Cláudia Collucci

Há muita crueldade em notícias desonestas sobre cura do alzheimer

Terapias não previnem e não curam o mal; mídia vende esperanças há mais de 3 décadas

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Por ingenuidade do jornalista ou por busca de audiência, notícias excessivamente otimistas em relação à doença de Alzheimer têm sido frequentes na imprensa do Brasil e do mundo. Mais do que desonestas, elas são cruéis com milhões de pacientes e seus cuidadores que vivem na esperança de uma cura para esse mal. 

Os tratamentos disponíveis não previnem e não curam o alzheimer. Na melhor das hipóteses, retardam a progressão dos sintomas por períodos curtos. Há esforços e recursos consideráveis ​​concentrados em novos tratamentos que buscam quebrar ou impedir a deposição de proteínas anormais que parecem aumentar à medida que a perda de memória se acentua.

Inicialmente, essas novas terapias foram testadas em indivíduos com a doença avançada, mas agora estão sendo usadas ​​em pacientes com sintomas leves, como forma de prevenir a progressão. Mesmo nesses casos, os ensaios não mostraram resultados positivos clinicamente significativos. 

É claro que as pesquisas que exploram abordagens novas e inovadoras para a doença de Alzheimer são cruciais e merecem divulgação, mas o jornalismo, salvo raras exceções, tem gerado mais publicidade para pesquisadores e ​farmacêuticas do que um bom serviço para a sociedade, ao noticiar de forma acrítica esses resultados.

Um exemplo foi um estudo brasileiro publicado no último 7 na revista científica Nature Medicine, que demonstrou, em camundongos, a relação entre uma proteína, liberada na prática de exercícios físicos, e o alzheimer. Vários jornais, sites e TVs saíram com chamadas do tipo "cientistas brasileiros descobrem como prevenir e tratar Alzheimer". 

Entre grupos de médicos, o assunto foi tema de muitos comentários. "Mentem assombrosamente ao colocar o verbo no presente do indicativo de forma irrefutável, quando o momento é de uma hipótese apenas, e hipótese em ciência é algo muito próximo de nada. Um nada que pode e deve trazer brilho aos olhos de pesquisadores, mas pouco além disso. A energia dos paciente e seus familiares deve ser canalizada, em respeito a eles, ao que transcendeu etapas aqui não cumpridas. Uma pena ver tanto disso circulando", comentou o médico Guilherme Barcellos.

A Folha deu o peso que a notícia merecia: "Proteína liberada durante exercício atenua alzheimer em roedores". Não teve o mesmo apelo da concorrência, é óbvio, mas foi honesto.

Ainda que muitos dos textos na imprensa ponderem nas entrelinhas que ainda faltam mais estudos ou que existe um longo caminho até que tal terapia se torne realidade, o estrago de uma manchete enganosa é difícil de ser reparado.

Gary Schwitzer, fundador e publisher do HealthNewsReview.org, já escreveu vários textos nos últimos anos pontuando sobre as falhas na divulgação de estudos científicos pela imprensa americana. Sobre alzheimer, especificamente, ele diz que o otimismo exagerado dos jornalistas remonta a 1984.

Exemplos de manchetes publicadas na época: "O tratamento de Alzheimer é encontrado com sucesso"; "Cientistas descobrem o primeiro avanço contra a doença de Alzheimer"; "Pesquisadores acreditam que o tratamento para a doença de Alzheimer está próximo"; "Pesquisadores descrevem a possível cura de Alzheimer".

Todas essas notícias foram baseadas em resultados de estudos experimentais, testados em camundongos ou em poucas pessoas. Schwitzer cita uma matéria da revista Time de 1999 (“Hope Meets Hype: Eles falam sobre um avanço na pesquisa de alzheimer, mas o que isso realmente significa?”, da veterana jornalista científica Christine Gorman) e diz que, 20 anos depois, a peça ainda deveria ser usada para educar jornalistas de hoje sobre o que deve passar por suas mentes antes de proclamar um avanço no tratamento dessa doença.

Sim, estamos desesperados pela prevenção e pela cura do alzheimer. Mas, como jornalistas, temos o dever moral de não tornar nenhuma terapia mais próxima e mais certa do que realmente está.

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