Cláudia Collucci

Jornalista especializada em saúde, autora de “Quero ser mãe” e “Por que a gravidez não vem?”.

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Cláudia Collucci

OMS orienta a não divulgar cartas de despedida em casos de suicídios

Repercussão sobre morte do ator Flávio Migliaccio reacende debate sobre comportamento da mídia

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Faz 20 anos que a OMS (Organização Mundial de Saúde) publicou o primeiro manual voltado aos profissionais da mídia sobre como cobrir suicídios.

Uma das recomendações é não divulgar cartas de despedidas das pessoas que decidem dar fim à própria vida porque isso poderia ser um gatilho para novos suicídios. Não é balela. Existem inúmeros estudos científicos que amparam essa orientação.

No entanto, vimos nesta última segunda (4) muitos jornalistas e veículos de comunicação publicando a íntegra da carta deixada pelo ator Flávio Migliaccio, 85, em que ele relata as razões que o levaram ao suicídio.

Nas redes sociais, alguns argumentaram que cabe ao jornalista pesar o interesse público contra o risco à saúde pública. Que num país doente como o nosso, o tema teria de interesse público. Outros justificaram que, pelo teor da carta, o ator queria torná-la pública.

Nessa discussão específica, eu fico do lado da saúde pública. Não sou especialista em saúde mental, mas me subsidio da farta literatura científica disponível. E estou convencida de que, sim, dependendo da forma como o suicídio é noticiado, pode ser o gatilho para as pessoas predispostas a cometê-lo.

Uma das primeiras associações conhecidas entre os meios de comunicação de massa e o suicídio vem da novela de Goethe Die Leiden des Jungen Werther (Os Sofrimentos do Jovem Werther), publicada em 1774.

Nela, o herói se mata após um amor mal sucedido. Logo após sua publicação, começaram a surgir na Europa vários relatos de jovens que cometeram o suicídio usando o mesmo método.

Isso resultou na proibição do livro em diversos lugares. O fenômeno originou o termo “Efeito Werther”, usado na literatura técnica, para designar a imitação de suicídios.

Estamos no meio de uma pandemia, muita gente deprimida, ansiosa, sem esperança e temendo as perdas que virão pela frente. Na última grande recessão econômica, a Europa e a América do Norte contabilizaram mais de 10 mil casos de suicídio entre 2008 e 2011.

Desses, 7.950 estariam relacionados diretamente aos reflexos da crise econômica, segundo pesquisa publicada na revista British Journal of Psychiatry. Agora, com uma dupla crise (sanitária e econômica), penso que o risco de suicídio possa ser ainda maior. Então, é preciso prevenir eventuais gatilhos.

A questão aqui não é deixar de noticiar o suicídio. Ao contrário. Esconder essa epidemia silenciosa seria jogar para debaixo do tapete a morte de 12 mil pessoas por ano no Brasil.

O ponto central é tratar o tema com responsabilidade. Além da não publicar cartas das pessoas que cometem suicídio, há outras orientações da OMS, por exemplo, não contar os detalhes dos métodos utilizados, não atribuir culpas, não glamorizar o ato e não fazer qualquer tipo de juízo de valor.

É possível contribuir muito com o tema indo além de noticiar o suicídio em si, tratando das razões que levam as pessoas a desistir da vida. Em 2013, por exemplo, diante do suicídio de um outro ator fantástico, Walmor Chagas, falei sobre o aumento do suicídio entre idosos.

Entre os acima de 75 anos, a taxa por 100 mil habitantes é uma das mais altas. Além da depressão e de outros transtornos mentais, há vários gatilhos associados, como a perda de parentes referenciais, sobretudo do cônjuge, solidão, existência de enfermidades degenerativas e dolorosas, sensação de estar dando muito trabalho à família e ser um peso morto e o abandono.

Falar sobre os fatores de risco que levam ao suicídio e cobrar políticas preventivas é papel do jornalismo. Divulgar os canais de ajuda, como o excelente serviço prestado pelo CVV (Centro de Valorização da Vida), idem.

Também cabe discutir sobre o direito de morrer, sob o ponto de vista ético, jurídico e filosófico. Mas não há lugar para sensacionalismo em cima de um tema tão grave. O submundo das redes sociais já se encarrega de fazer isso.

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