Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

Memórias da esperança

Assunção e São Paulo

Minha primeira viagem internacional foi justamente a Assunção, para disputar (e ganhar) um sul-americano de basquete (de clubes), pelo E. C. Sírio. Faz mais de 40 anos.

Assunção parecia muito pobre e muito sem futuro, porque capital do único país sob ditadura entre aqueles que cabiam no horizonte de um moleque de 17 para 18 anos (o Uruguai, a Argentina e o próprio Paraguai).

Sentia-me um ser do andar superior, porque campeão na quadra e porque cidadão do "país do futuro", o país que sonhava os sonhos de JK, o presidente Juscelino Kubitschek, um país que parecia não ter limites para o seu luminoso futuro.

Voltei algumas poucas vezes depois, mas o olhar já era outro, profissional, preocupado mais em decifrar a intricada política local pós-ditadura e/ou os segredos não tão secretos das negociações do Mercosul do que em olhar Assunção.

Nesta nova volta, a cidade continua pobre, mas machuca constatar que, na essência, já não difere tanto de São Paulo. É mais pobre, claro, mas exibe os mesmos ambulantes em cada esquina, as mesmas crianças maltrapilhas nos semáforos, olhos baços, a cor de cobre dos mestiços.

O Paraguai já não é uma ditadura faz algum tempo, mas nem por isso recobrou o direito à esperança. O duro de aceitar é que o Brasil deixou de ser uma democracia—que hoje, como há 40 e tantos anos, me parecia o pior dos regimes fora todos os outros—​, voltou a ela e perdeu e ganhou esperanças em ondas que iam e se desfaziam cada vez com maior velocidade.

Talvez pela idade, olhar para trás é hoje mais promissor do que encarar o que ainda virá. A América Latina perdeu o passo do futuro, encalhou em algum momento. Do turbilhão que chegou a prometer, virou a mansidão das águas do rio Paraguai, que passam sujas pelos fundos do hotel Yacht y Golf Club, onde hoje começa mais uma cúpula do Mercosul, mais um ensaio da esperança eternamente renovada e eternamente adiada.

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