Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

Em Cuba, papa pisará em ovos

Na sua escala em Cuba, a caminho dos Estados Unidos —a parte mais midiática de sua viagem—, o papa Francisco deverá pedir mais liberdade para a Igreja Católica, mas só muito sutilmente defenderá as liberdades públicas em um sentido mais abrangente.

É o que se pode imaginar, correndo o risco de terrível engano, ante a imprevisibilidade de Francisco em suas aparições públicas.

Mas a lógica fala a favor da cautela ante a ditadura. Como escreveu para "El País" o historiador Rafael Rojas, "a Igreja Católica conseguiu consolidar-se nas últimas décadas como a principal instituição da sociedade civil cubana. Um logro que não teria sido possível sem uma interlocução e um pacto com o governo, que renderam vantagens mútuas".

Não parece haver razão para que o papa ponha em risco esse papel e essa interlocução, criticando aberta e duramente a ditadura.

Também não parece haver razão para que o papa desperdice o encanto em Cuba com a igreja, decorrente da mediação para a normalização de relações com os Estados Unidos, sem cobrar novos espaços para a ação eclesial.

Depois de um período de feroz repressão, incluída a expulsão de religiosos, a igreja cubana recuperou algum espaço, mas continua impedida, por exemplo, de manter escolas ou hospitais ou de ter acesso a uma rádio.

Impressiona, nessas circunstâncias, que a Igreja Católica tenha se consolidado, como diz Rafael Rojas, como principal instituição da sociedade civil.

Impressiona também o fato de que, em um regime oficialmente ateu (e, ainda por cima, repressivo), 51,7% dos cubanos tenham se declarado católicos, na mais recente pesquisa do Pew Research Center. É de 2012. Depois, não pôde mais ser feita.

Os não cristãos são 40,8%, a grande maioria praticantes dos ritos de origem africana, com os quais, no entanto, a Igreja Católica aprendeu a conviver.

A grande incógnita da visita papel é se Francisco, em vez de criticar o regime, tocará música ao ouvido dos anfitriões cubanos, repetindo suas críticas ao capitalismo.

Raúl Castro endossaria declarações que atribuam as desigualdades no mundo "a ideologias que defendem a autonomia absoluta dos mercados e da especulação financeira", sem falar na qualificação do dinheiro como "esterco do diabo" –frases já usadas por Francisco.

O problema de repeti-las agora é que, na sequência, o papa irá aos Estados Unidos, o país que mais endeusa o dinheiro e no qual suas declarações já provocaram alarme entre os conservadores.

Portanto, o mais lógico é esperar prudência do papa, até porque, desde 1891 (encíclica "Rerum Novarum", de Leão 13), a igreja critica tanto o capitalismo como o comunismo, mas ainda não conseguiu desenhar uma terceira via que sirva para a vida terrena.

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