É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.
O Brasil fica incompatível com o brasileiro
Assim que Gilmar Mendes começou a falar, para desempatar a votação sobre a cassação da chapa Dilma/Temer, ameacei abrir meu IPad para escrever um comentário a respeito.
Ameacei o gesto mais uma ou duas vezes até que a voz da consciência me alertou que era melhor deixar para depois porque o manual de boas maneiras da Folha proíbe o uso de palavrões.
Não, não iria xingar os ministros do TSE que votaram contra a cassação, mesmo porque os leitores já o fizeram de maneira mais que suficiente. Acho que eles apenas cumpriram o seu papel no teatro de faz de conta encenado esta semana, para usar rótulo da sempre excelente Raquel Landim.
O palavrão seria para o Brasil. Dá um baita desânimo ver que o país vai afundando mais e mais no pântano. O problema do TSE não é apenas "a declaração de que, no Brasil, fica legalizado o desvio em massa de recursos públicos para financiamento de campanha eleitoral" (copio agora Demétrio Magnoli).
O problema é a indigência dos argumentos utilizados pela maioria para serem "coveiros de prova viva", conforme Herman Benjamin, o relator alçado a novo herói de uma República carente deles - e de tudo o mais.
Houve até um ministro, Napoleão Maia, que fez propaganda do Estado Islâmico, ao repetir o gesto de degola que é marca registrada dos terroristas. A que ponto chegamos, meu Deus.
Explico o desânimo absoluto com o Brasil: há um desencontro aparentemente irremediável entre a maior parte do público e as instituições. E não apenas em relação à permanência de Michel Temer na Presidência.
Acho até que ela é irrelevante para o que velhos marxistas (eu sou velho, mas não marxista) chamariam de classes dominantes. Tanto é assim que Henrique Meirelles, o representante dos negócios e das elites no governo, já disse que fica na Fazenda, com Temer ou sem Temer.
Fica por uma razão muito simples: a agenda que Temer tenta levar adiante é a agenda obrigatória para quem o substituir, em eleição direta ou indireta, agora ou em 2018.
O teto de gastos e as reformas trabalhista e previdenciária foram impostas por uma coligação informal entre os agentes de mercado e os partidos políticos à direita do centro.
Desafiá-la levaria ao mesmo problema enfrentado por Luiz Inácio Lula da Silva na campanha de 2002: teve que render-se à pressão dos mercados - que forçaram a alta do dólar e pressionaram a inflação - sob pena de ter seu governo desestabilizado já na partida.
Não por acaso, Lula escolheu para conduzir a economia, como presidente do Banco Central, o mesmo Henrique Meirelles que manda nela de novo agora.
Não vou discutir se a agenda é correta ou não. Que reformas são necessárias, não há a menor dúvida. Mas o formato agora adotado é rejeitado pela maioria da população, conforme mostram todas as pesquisas.
Pode funcionar decentemente um país em que há uma agenda "imexível" e uma sociedade majoritariamente contrária a ela?
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