É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.
Começa fim da era Mugabe, outro líder da independência que virou tirano
Difícil discordar da avaliação sobre o movimento militar no Zimbábue que faz Alex Magaisa, analista zimbabuano e doutor em Direito pela Universidade britânica de Warwick:
"É o fim de uma era. Mas poderia facilmente ser visto como o fim de um erro, um erro de 37 anos", escreveu ele para "African Argument".
AFP | ||
Retrato do ditador Robert Mugabe aparece na entrada de prédio estatal de Harare, no Zimbábue |
Refere-se, como é óbvio, à tutela que os militares estão impondo a Robert Gabriel Mugabe, no poder há 37 anos, único governante da antiga Rodésia do Sul, renomeada depois de sua independência como Zimbábue.
Por que erro? Porque Mugabe, como praticamente todos os pais da independência dos países africanos, tornou-se tirano implacável. Ou, posto de outra forma, libertaram seus países da dominação dos brancos sobre os negros apenas para impor a dominação das elites negras.
A culpa não é apenas das novas elites, lembra Steve McDonald, diretor do Programa África do Wilson Center (Washington): "Os governos coloniais, na época da independência, quase sempre passaram o domínio para seus homens preferidos ou para grupos tribais que achavam que podiam controlar".
Foram essas elites que transformaram a África subsaariana em território livre para ditaduras, como a de Mugabe: o mais recente levantamento da Freedom House informa que apenas 12% dos habitantes dessa região vivem em países classificados como "livres".
Dos 49 países listados, só 18% são "livres", contra 41% "não livres" e outros 41% "parcialmente livres".
O golpe desta quarta-feira (15) no Zimbábue não deve alterar a classificação do país. O movimento militar é decorrente de uma clássica guerra de quadrilhas dentro do esquema dominante.
De um lado, está o chamado G40, a geração em torno dos 40 anos, liderada pela mulher de Mugabe, Grace, 41 anos mais nova que o nonagenário ditador (93 anos).
Tem dois apelidos eloquentes: "Disgrace" ou "Gucci Grace", o primeiro autoexplicativo e, o segundo, pelo seu apetite pelo luxo.
Do outro lado, está Emmerson Mnangagwa, o vice-presidente afastado há 10 dias.
Como Mugabe está bastante velho e dá sinais de senilidade, há uma batalha para sucedê-lo entre os dois grupos. Mas ambos são leais ao regime, à corrupção e à repressão que marca a gestão Mugabe.
Do ponto de vista da democracia, portanto, há escassas chances de mudanças, ganhe quem ganhar essa batalha pelo poder.
Do ponto de vista econômico, no entanto, o vice-presidente afastado —e que pode agora retornar ao poder até com mais força— é visto como interessado em recompor relações com as instituições financeiras internacionais.
É um passo essencial para enfrentar a ruína que Mugabe construiu.
Apesar de as estatísticas oficiais tentarem negar, calcula-se que 95% da força de trabalho esteja desempregada, apesar de 3 milhões de zimbabuanos (ou um quinto da população) terem preferido o exílio.
Desde 2000, a economia encolheu para a metade do tamanho que tinha, e há tal escassez de notas em circulação que a retirada está limitada a US$ 20 por dia (o dólar é a moeda corrente, depois que uma hiperinflação moeu a moeda local).
Tem ou não razão Alex Magaisa ao antever, mais que o fim de uma era, o fim de um "erro"?
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