Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

Quando o Brasil consegue levar a esculhambação ao paroxismo

Quem é processado por não pagamento de salário a um empregado merece o que? No Brasil, merece o posto de ministro (no caso, ministra) do Trabalho, como aconteceu com Cristiane Brasil (PTB-RJ).

Quem bate o recorde de infrações de trânsito merece o que? No Brasil, merece, claro, ser o chefe da repartição de trânsito, no caso a de Minas Gerais. É o prêmio concedido ao delegado César Augusto Monteiro Alves Júnior, que acumulou desde 2014 multas que lhe valeram 120 pontos na carteira —ou seis vezes a pontuação que causa a suspensão da habilitação.

São apenas os dois casos mais recentes que comprovam, se ainda fosse necessário, que o Brasil faz um tremendo esforço para aperfeiçoar a esculhambação generalizada que o caracteriza.

Parece estar em funcionamento a avaliação de mérito ao contrário. Em um país decente e com um governo igualmente decente, a simples revelação de que a quase ministra do Trabalho burla a lei trabalhista, violando o mais elementar direito de um empregado seu, bastaria para que a designação fosse desfeita.

Aliás, um governo sério teria, antes, investigado a pessoa que pretendia nomear. Não precisaria esperar que a Justiça interviesse para brecar a nomeação.

Mas um governo que tem uma penca de ministros sob investigação e não obstante mantidos no cargo não poderia mesmo ter a seriedade de investigar quem quer que seja. Se o fizesse, teria que "desnomear" metade da Esplanada dos Ministérios.

Se fosse só o governo federal, a esculhambação já estaria no preço. Afinal, o próprio presidente da República ficou com uma investigação pendurada, à espera de que perca o foro privilegiado para que ela continue.

Uma dúvida: se a investigação chegar à conclusão de que Michel Temer é culpado, caberia alguma ação para anular todos os atos por ele adotados? Afinal, ele, por enquanto, não é nem inocente nem culpado pela simples e boa razão de que não terminou a investigação que o envolve.

Como não é só o governo federal, a esculhambação ganha status de fenômeno nacional. No episódio do Detran-MG, o governador é do PT. E, até o momento em que escrevo, o campeão de multas continua na chefia do órgão que emite as multas, mas que ele jura que não recebeu nenhuma notificação delas nesses três anos em que violou todas as regras que agora deve fazer cumprir.

Para completar a esbórnia, o delegado Alves Júnior anunciou a abertura de inquérito administrativo contra ele próprio, mas não pediu demissão nem ao menos afastamento do cargo enquanto dura o inquérito.

Antigamente, quando alguém tinha interesses em assuntos que diziam respeito ao cargo que ocuparia, a brincadeira era afirmar que se tratava da raposa tomando conta do galinheiro. No Brasil, deixou de ser brincadeira. É a esculhambação levada ao paroxismo.

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