Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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A irracionalidade do mal volta para assombrar a Polônia e irritar Israel

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Ao terminar uma visita ao Yad Vashem, o Museu do Holocausto em Jerusalém, em 2010, o então presidente Lula disse que "a visita ao Museu do Holocausto deveria ser quase obrigatória para todos os que querem dirigir uma nação".

Acrescentou que o museu permitia uma visão "do que pode acontecer quando a irracionalidade toma conta do ser humano".

Eu iria mais longe: deveria ser obrigatória também uma visita ao complexo de extermínio de Auschwitz/Birkenau, na Polônia.

Lá, sim, tanto quanto no Yad Vashem, expõe-se toda a banalidade do mal, para usar a célebre expressão de Hanna Arendt.

Em Auschwitz/Birkenau, a "irracionalidade" que Lula viu exposta no Yad Vashem se torna ainda mais incompreensível: o esforço de guerra nazista não pedia construir um complexo como aquele só para matar inocentes. Os judeus, a maioria das vítimas, não formavam um exército inimigo cuja destruição abriria as portas da vitória na guerra —ela própria nefanda, mas aí já é outro capítulo da história.

É tão forte a presença dessa "irracionalidade" que ela volta a assombrar a Polônia, 70 e tantos anos depois do fim da guerra.

No dia 26 deste mês, o Parlamento polonês aprovou uma lei tornando crime, punível com cadeia, referir-se aos "campos de extermínio poloneses".

A lógica da lei é a de que os campos não eram poloneses, mas alemães.

Foi o suficiente para armar-se enorme polêmica com Israel.

A reação do governo de Binyamin Netanyahu foi duríssima, como, de resto, costuma ser sempre que se toca no assunto Holocausto.

Mas até a oposição a ele reagiu agressivamente, como foi o caso de Yair Lapid, líder do "Yesh Atid" ("Há um Futuro"): "Ninguém diz que os campos de extermínio foram construídos pelos poloneses. Os alemães os construíram. Mas eles os construíram em terras polonesas, com ajuda polonesa, em face do silêncio polonês".

Mais matizada foi a reação de Efraim Zuroff, historiador do Holocausto e diretor do Centro Simon Wiesenthal: "Indivíduos poloneses podem ter sido responsáveis pelas mortes de muitos milhares de judeus mas o aparato de Estado polonês não estava integrado na máquina nazista de genocídio contra os judeus e, nisso, a Polônia é na realidade um exceção a muitos outros países na Europa ocupada pelos nazistas".

Parece uma descrição mais acurada, mas o ponto talvez não seja esse e, sim, aquele levantado por Lula no Yad Vashem: como a irracionalidade pode tomar conta do ser humano. Ainda mais que pipocam, aqui e ali, movimentos com a mesma irracionalidade ou contra os judeus, de novo, ou dirigida agora a outras tribos.

A Polônia, de resto, é de novo palco dessa batalha entre luz e sombra. David Breakstone, vice-presidente da Agência Judaica para Israel, escreveu em seu blogue para "The Times of Israel", que em sua mais recente visita à Polônia, descobrira uma comunidade judaica que "está emergindo da negra sombra do Holocausto e demonstrando uma enérgica determinação para reclamar e renovar a herança que lhe é própria: a vibrante vida judaica de seus antecipados que foram dizimados".

Tive essa mesma sensação ao visitar Cracóvia, depois do choque que foi a passagem por Auschwitz/Birkenau. Encantou-me um cartaz visto na pracinha de Kazimiers, antigo centro da vida judaica na cidade, um gueto durante a guerra e agora animado centro de lazer. Dizia o cartaz:

"O que faz um judeu em Cracóvia? Se diverte".

Tomara que nunca arranquem cartazes semelhantes, dessa e de outras tribos perseguidas, na Polônia ou em qualquer praça do planeta.

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