Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Clóvis Rossi

EUA não são país para crianças

Excesso de armas só pode levar a excesso de matanças

Mães de alunos da escola onde houve massacre em Parkland, na Flórida, protestam pelo controle de armas nos EUA
Mães de alunos da escola onde houve massacre em Parkland, na Flórida, protestam pelo controle de armas nos EUA - Joe Raedle/Getty Images/AFP

Os EUA –esse formidável ímã para brasileiros e para uma multidão de outros– são, não obstante, a mais perigosa das nações ricas para uma criança nascer.

É o que informa estudo recente da publicação Assuntos de Saúde, citado com amargura por David Leonhardt, o editor da newsletter de Opinião do "New York Times": É difícil imaginar uma distinção pior para um país.

É óbvio que a mais recente matança em escola americana, na quarta-feira (14), tornou mais sinistra ainda a distinção aos EUA. Mas é justo mencionar que esse fenômeno tipicamente americano é apenas um dos três fatores que levaram os EUA a se tornarem um país que não é para crianças, a saber:

1 - Os outros países ricos foram mais bem-sucedidos em reduzir a mortalidade infantil, por motivos que ainda não são plenamente conhecidos, mas, diz Leonhardt, a desequilibrada rede de proteção social americana parece ter um papel.

2 - Outros países também reduziram mortes em acidentes com veículos, que afetam especialmente adolescentes.

3 - Aqui, sim, entra o ritual tipicamente americano de matança de crianças em santuários do aprendizado, como o definiu outro colunista do Times, Dan Barry.

Fiquemos no item 3 porque há uma permanente tentação no Brasil de liberar a posse indiscriminada de armas, ainda mais agora que um pré-candidato (Jair Bolsonaro), adepto da tese, está em segundo lugar nas intenções de voto.

No caso dos Estados Unidos, surpreende que um país tão ilustrado, sede de universidades e centros de pesquisas de excelência, não consiga ligar os pontos e entender que a obsessão pelas armas é uma causa evidente do ritual tipicamente americano de matanças de crianças e, de quebra, de matanças também de adultos.

Dados que comprovam o caráter americano do ritual:

1 - homicídios por arma de fogo nos EUA são em número 49 vezes mais elevado do que outros países ricos, mostra o citado estudo da Assuntos de Saúde;

2 - Com 5% da população mundial, os EUA têm 50% das armas de fogo em mãos de civis.

A única variável que pode explicar a alta taxa de tiroteios em massa na América é o seu astronômico número de revólveres, escreve Max Fisher, titular de uma coluna que contextualiza grandes  eventos mundiais, sempre no "Times".

Fischer dá números para sustentar seu contexto: os Estados Unidos têm 270 milhões de armas e tiveram 90 tiroteios em massa de 1966 a 2012. Nenhum outro país tem mais do que 46 milhões de armas ou mais de 18 tiroteios em massa.

É evidente que o Brasil tampouco é exatamente o paraíso para o nascimento de crianças (ou para a vida dos adultos), como se está vendo no Rio de Janeiro. Mas a resposta não pode ser a liberação das armas e, sim, ao contrário, recuperar o monopólio delas para as forças da ordem o que se pretende fazer com a intervenção federal no Rio.

Suspeito que só dará certo se, simultaneamente, se começar a discutir a questão das drogas porque a política simplesmente repressiva fracassou, do que dá prova​ definitiva a intervenção no Rio.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.