Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

Hora de aprender com o contrário

Como não está no horizonte aniquilar o outro lado, não é mais sábio dialogar com ele?

Nicholas Kristof, um dos melhores colunistas americanos, fez outro dia uma convocação ao diálogo com argumentos irretocáveis: solidamente encravado em uma “visão de mundo liberal”, Kristof diz que “frequentemente aprende um bocado —embora penosamente— com aqueles conservadores” dos quais diz discordar completamente. Aprende, completa, em parte porque “eles alegremente pegam fatos inconvenientes que meu lado tende a ignorar porque não se enquadra em nossa narrativa”.

Tenho a impressão de que, se brasileiro, Kristof estaria escrevendo mais ou menos a mesma coisa.

Também vale para o Brasil sua moral da história: “Deveria ser possível tanto acreditar profundamente na correção de nossa causa como ouvir o outro lado. Civilidade não é sinal de fraqueza, mas de civilização”.

Kristof é meu colega no International Media Council, criado pelo Fórum de Davos  para reunir, anualmente, um grupo de jornalistas que o fórum considera representativos, global ou regionalmente. É sempre uma delícia conversar com ele, pelas experiências profissionais que teve (e continua tendo) como pela lucidez com que interpreta os fatos, sem a arrogância que transpira das certezas absolutas de grande número de colunistas e acadêmicos.

Mesmo assim, ao ler sua convocatória ao diálogo entre opostos, achei que seria inútil recuperá-la em algum momento, porque, se nos Estados Unidos de Trump, liberais e conservadores não conversam e, sim, tratam de manietar uns aos outros, no Brasil não é diferente.

Está todo mundo até cansado de dizer que, especialmente a partir da explosão das redes sociais, criaram-se bolhas em que cada um conversa apenas com os de sua própria tribo e trata de desmoralizar qualquer outra. Projetos, ideias, iniciativas não são analisados pelo que contêm, mas por quem as lançou.

Se é dos meus, elogio. Se é do outro bando, critico.

Só me decidi, finalmente, a recuperar o texto de Kristof depois de ouvir Ciro Gomes ser entrevistado por Mônica Bergamo, no segundo dia do Encontro Folha de Jornalismo. Ciro não é exatamente um conciliador.

Ciro Gomes durante o 2º Encontro Folha de Jornalismo
Ciro Gomes durante o 2º Encontro Folha de Jornalismo - Keiny Andrade - 20.fev.2018/Folhapress

Ao contrário, trata-se de um dos políticos mais boquirrotos e agressivos verbalmente que conheço —e conheço uma penca deles.

Pois bem: perguntado sobre como trataria a questão da descriminalização das drogas, em seu eventual governo, Ciro disse, primeiro, que compreendia as diferentes percepções em torno do assunto e acrescentou que chamaria os defensores de todas elas para conversar. Ou, posto de outra forma, não tomaria uma iniciativa de sua própria lavra.

É, de certa maneira, a teoria Kristof: ouvir “fatos inconvenientes” que o seu lado prefere ignorar por não se encaixarem na sua narrativa.

Atenção, não estou dizendo que acho Ciro o máximo nem que esse caminho seja o ideal. Pode produzir uma de duas possibilidades: ou do diálogo sai um projeto sólido, ou apenas se perde tempo em masturbações sociológicas.

Mas o fato é que o Brasil precisa dialogar, precisa sair da casamata em que se enterrou por essa estúpida guerrilha verbal. Pode ser ingenuidade minha, mas a alternativa é esse suicídio coletivo em curso.
 

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