Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

Militares são problema, não solução

Sugestão de Tillerson para Venezuela não leva em conta o passado nem a realidade

De óculos e terno escuro com gravata listrada vermelha, Rex Tillerson, de terno, olha para a esquerda, diante de bandeira dos EUA em sala de conferência no México

O secretário de Estado dos EUA, Rex Tillerson, fala em entrevista coletiva durante viagem ao México Henry Romero-2.fev.18/Reuters

Era inevitável: no árido deserto de ideias e/ou iniciativas para içar a Venezuela do caos em que o governo bolivariano a instalou, só podia mesmo surgir uma tese descabelada, a de uma intervenção militar.

Foi sugerida por Rex Tillerson, o secretário americano de Estado, com uma constatação que em parte é factual, mas, no segundo capítulo, engata um perigoso equívoco.

Disse Tillerson: "Na história da Venezuela e da América do Sul, é frequente que os militares sejam agentes de mudança quando as coisas estão muito mal e a liderança não mais pode servir ao povo".

Que a história da América Latina (e não apenas a do Sul) é prenhe de golpes militares qualquer estudante de primário sabe. O problema é que, na maior parte das vezes em que os militares foram "agentes de mudança", as "coisas" pioraram e, em alguns casos, nem estavam tão mal assim quando os militares intervieram.

Conceitos à parte, o fato objetivo, no caso da Venezuela, é que os militares são parte do problema e, portanto, não podem ser parte da solução.

O que existe na Venezuela é uma ditadura cívico-militar, em que os civis entram com a cabeça visível do processo e, os militares, dominam quase todo o resto.

É um esquema conveniente tanto para o presidente Nicolás Maduro como para os próprios militares, como observa Phil  Gunson, analista de Venezuela para o International  Crisis  Group: "Os militares necessitam Maduro porque preferem não governar eles próprios. Não querem um general uniformizado na Presidência porque não fica bem e está algo fora de moda".

Acrescenta Gunson: "Se você é um general e joga de acordo com as regras [do regime], você pode fazer muito dinheiro". 

Atualmente, praticamente a metade do gabinete de Maduro é composta por oficiais da ativa ou da reserva, que ocupam ainda outras posições relevantes na administração. Tomam conta de quase tudo, das licitações para a compra de armas à produção de aço, passando pela distribuição de comida uma atividade essencial em um país em que falta tudo e distribuir o que existe torna-se um ativo eleitoral formidável.

Até a vaca leiteira da economia venezuelana, a cada vez mais magra PDVSA, a estatal do petróleo, passou recentemente para as mãos dos militares: Maduro escolheu para chefiá-la um general da Guarda Nacional, Manuel Quevedo, que não tem experiência na indústria do petróleo, mas foi essencial para reprimir as grandes manifestações de 2014. 

Nesse contexto, é natural que caiam no vazio conclamações para que os militares "quebrem o silêncio", como fez, no ano passado, Julio Borges, então presidente da Assembleia Nacional de maioria opositora.

Borges chegou a dizer que "a imensa maioria dos oficiais são contra o caos que está tomando conta da Venezuela".

Parece mais desejo que fato: o único membro das forças de segurança que se revoltou contra o regime, o policial e piloto de helicóptero Óscar Pérez, promoveu uma única ação, em meados de 2017, não encontrou apoiadores e acabou morto em janeiro, executado pelas forças de segurança, segundo denúncia da oposição.

Tudo somado, é melhor que Tillerson ou seus pares latino-americanos pensem em algo mais sério.

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