Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Clóvis Rossi

Quando até os mocinhos pecam

Escândalos contra Oxfam e Médicos sem Fronteiras atingem reputação de ONGs

Não estão sobrando nem os mocinhos no faroeste em que o mundo se transformou. Ou sempre foi assim? Será que foi o avanço das comunicações e sociedades mais despertas que permitiram que manchas que ficavam encobertas ganhassem a luz do dia?

Refiro-me aos escândalos envolvendo a Oxfam e outra ONG valiosa, a Médicos sem Fronteiras.

Tenho a maior simpatia por ambas —e por outras ONGs ainda não envolvidas em escândalos e apoio no que posso o trabalho delas. Pareciam o contraponto perfeito para as mazelas das instituições oficiais, em especial as políticas.

Pareciam, mas, como escreveu na quinta-feira (15) Larry Elliott, editor de Economia do "Guardian", quando aparecem homens poderosos explorando mulheres e crianças vulneráveis, entidades beneficentes não são de fato diferentes de outras esferas da vida".

Sinal da Oxfam em uma construção em Porto Príncipe, no Haiti, onde é distribuída água
Sinal da Oxfam em uma construção em Porto Príncipe, no Haiti, onde é distribuída água - Andres Martinez Casares - 13.fev.2018/Reuters

Confirma a minha permanente sensação de que o ser humano não foi precisamente a melhor invenção de Deus.

O pior é que o dano à reputação das ONGs será generalizado. É injusto confundir a parte pelo todo. No caso de Médicos sem Fronteiras, são 40 mil pessoas envolvidas em operações em condições absolutamente inóspitas, mundo afora. Foram identificados até agora 40 casos de abusos. É pouco, no formidável conjunto de atendimentos? Não, é muito, porque, repito, ONGs como a MSF são vistas como os mocinhos de uma história mundial triste e mocinhos não podem cometer pecados.

No caso da Oxfam, a reação inicial foi ruim. Como escreveu Elliot no "Guardian", a tentativa inicial de limitação de danos fez com que parecesse menos uma entidade caritativa e mais uma corporação multinacional, o que de certo modo é".

O que dá crédito às ONGs é a diferença de comportamento na comparação com o mundo político, pelo menos o mundo político brasileiro: houve demissões, houve pedidos de demissão de dirigentes.

Que partido político, que câmara legislativa tomou iniciativas para afastar seus membros envolvidos em escândalos? Ou seja, por enquanto, as organizações não-governamentais ainda levam vantagem, no quesito responsabilidade de transparência, sobre as organizações governamentais. E também sobre as entidades patronais, que silenciam sobre os trambiques de seus associados e/ou colegas.

Ainda assim, as ONGs estão na obrigação de aumentar ainda mais os instrumentos de vigilância e transparência para que os mocinhos não sejam contaminados pelos bandidos descobertos nos seus cantinhos mais escuros.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.