Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Clóvis Rossi

Veto a Rafael Correa no Equador marca começo do fim de caudilhos

Na América Latina, caudilhos caem ou enfrentam dificuldades formidáveis

O presidente equatoriano, Lenín Moreno, festejou sua vitória no plebiscito desde domingo (4) com uma frase que parece valer não só para seu país, mas para boa parte da América Latina:

"Políticos que ansiavam eternizar-se nunca mais voltarão".

Óbvia alusão a seu antecessor Rafael Correa, proibido agora, pelo resto da vida, de candidatar-se à Presidência, cargo que ocupou por 10 anos, até 2017. Uma das sete perguntas do plebiscito previa limitar reeleições a uma única vez, mesmo não sucessiva. Tese aprovada por 64,33% dos votos contra 35,6%.

De modo geral, o "sim" às perguntas propostas pelo governo de Moreno alcançou de dois terços a três quartos dos votos, o que caracteriza um formidável triunfo do atual presidente, que foi aliado incondicional de Correa, até se eleger e passar a ser seu inimigo mais feroz.

Uma das razões do rompimento foi o fato de que Moreno, mal assumiu, no ano passado, fez o que se espera de um líder democrático: restabeleceu o diálogo com setores empresariais e de mídia, os quais Correa preferia hostilizar e perseguir.

A frase de Moreno sobre políticos que se pretendem eternos e, pelo menos no Equador, proibidos de voltar ao poder vale para uma parte importante da América Latina.

Nela, caudilhos estão caindo ou enfrentando dificuldades formidáveis, desconhecidas na primeira década do século, quando esse tipo de político ---um clássico na história do subcontinente--- nadava de braçada.

Caiu, também pela via eleitoral, Cristina Kirchner na Argentina. Não está proibida de voltar, mas os problemas judiciais que enfrenta (acusada de corrupção) lhe criam dificuldades inimagináveis há pouco tempo.

Está caindo, pela via judicial, Luiz Inácio Lula da Silva, talvez o mais emblemático dos modernos caudilhos latino-americanos.

Se confirmada sua exclusão do pleito de outubro, tende a ser seu fim. Mesmo que apoie algum "poste", dar-se-á uma de duas situações: ou o "poste" naufraga e Lula vai ao fundo com ele, ou o "poste" se consolida e, nesse caso, deixa de ser "o poste do Lula" para ser o substituto do Lula.

Na Bolívia, Evo Morales chegou a sofrer o mesmo percalço de Rafael Correa: perdeu em plebiscito a possibilidade de disputar um novo mandato. Recorreu à Justiça e obteve autorização para disputar, mas a decisão está sendo contestada severamente pelos chamados "movimentos cívicos".

Tão fortes que já conseguiram a promessa de Evo de vetar o novo Código Penal, um dos dois motivos pelos quais ameaçam greve geral e marcha sobre La Paz (o outro é justamente fazer respeitar o resultado do plebiscito e, portanto, evitar a nova candidatura do presidente).

A exceção à regra nesse aparente ocaso dos caudilhos é a Venezuela. Mas, lá, o caudilho morreu (Hugo Chávez) e seu substituto (Nicolás Maduro) está a anos-luz do carisma que geralmente acompanha os caudilhos.

Só permanece no poder porque implantou uma ditadura cívico-militar. Seus similares, ao contrário, podem ter arranhado a democracia, aqui e ali, mas mantiveram aspectos essenciais dela ---pela simples e boa razão de que tinham votos para fazê-lo.

É claro que é cedo para dar por terminada a era dos caudilhos na região. Mas, por enquanto, os líderes que emergem no lugar deles são mais "low profile". Mauricio Macri, na Argentina, Lenín Moreno, no Equador, ou Pedro Pablo Kuczynski, no Peru, não têm a incandescência de antecessores seus.

No Brasil, então, nem se fala. Não está à vista um caudilho como Lula. A ver o que acontecerá em outubro.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.