Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

Cai mais uma vítima da Odebrecht

No Peru, todos os presidentes do século são processados e não se discute se podem ou não ser presos

O presidente do Peru, Pedro Pablo Kuczynski, acena a seguidores após apresentar sua renúncia ao Congresso nesta quarta-feira (21)
O presidente do Peru, Pedro Pablo Kuczynski, acena a seguidores após apresentar sua renúncia ao Congresso nesta quarta-feira (21) - Mariana Bazo/Reuters
 

O Peru —na verdade, quase toda a América Latina deveria pedir uma monumental indenização à Odebrecht.

Afinal, a empreiteira brasileira transformou-se em uma multinacional da corrupção, capaz de envenenar o ambiente político em pelo menos dez países, Brasil inclusive (ou principalmente).

A renúncia nesta quarta-feira (21) de Pedro Pablo Kuczynski, mais conhecido como PPK, fecha o círculo de ferro que se foi armando em torno de todos os presidentes peruanos deste século, envenenados pela Odebrecht.

Um deles, Ollanta Humala, está preso. Outro, Alejandro Toledo, fugiu para os Estados Unidos, mas sua extradição acaba de ser pedida pelo Conselho de Ministros do Peru (resta saber se o pedido e o próprio Conselho sobrevivem à queda de Kuczynski).

O quarto da lista, Alan García, está igualmente acusado.

O veneno é tão poderoso que acaba tendo efeito retardado, como no caso de PPK: ele não renunciou pelas acusações de ter recebido dinheiro da Odebrecht, mas porque teve que negociar obras com congressistas para não ser derrotado em um segundo processo de impeachment (vacância do cargo, pelas regras peruanas).

Alguns parlamentares também são acusados de terem recebido verbas da Odebrecht para suas campanhas (ou para seus bolsos).

Marcelo Odebrecht, o grande executivo da companhia, confessou sem hesitação:

"Nós apoiamos todos os candidatos presidenciais do Peru, todos os partidos e provavelmente várias eleições de congressistas", contou a um grupo de procuradores peruanos e brasileiros que o interrogou em novembro passado, conforme relato obtido pelo jornal argentino La Nación e pelo sítio peruano IDL Reporteros.

O Peru talvez seja o caso mais impressionante, pela quantidade de ex-presidentes envolvidos, mas está longe de ser o único.

No mesmo depoimento, Marcelo Odebrecht soltou uma frase definitiva sobre as práticas escusas da companhia: "Assim funciona a América Latina inteira".

É a pura verdade. Documentos enviados pela Suíça e pelos Estados Unidos, publicados há dois anos pela Folha, mostram que o veneno da construtora se espalhou por dez países da região (Brasil, Argentina, Colômbia, República Dominicana, Equador, Guatemala, Panamá, Peru, Venezuela e México). Pegou também Moçambique.

A Odebrecht, em todo caso, não é o único demônio, sempre segundo o testemunho daquele que foi seu principal executivo: no depoimento aos procuradores, Marcelo disse que sua empresa é responsável por apenas 5% dos casos de corrupção.

"Vocês", disse aos procuradores, "devem descobrir os 95% que não foram da Odebrecht".

No Brasil, um pedaço desses 95% já foi revelado e também atingiu um ex-presidente, Luiz Inácio Lula da Silva. O caso pelo qual Lula já foi condenado envolve outra grande construtora, a OAS.

Como se vê pelos episódios do Peru e de Lula, o que a Odebrecht chamou em nota oficial de "práticas impróprias" mira sempre as posições mais altas.

Ou presidentes ou, no Equador, o vice-presidente, Jorge Glas, também preso.

Quem acha que a Lava Jato exagera bem que podia ganhar uma passagem para o Peru. Lá ninguém discute se ex-presidentes podem ou não ser presos.

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