Em 1888, meu avô, Giovanni Favaron, subiu a um barco no porto de Gênova para vir trabalhar na lavoura do café em São Paulo. Fugia do desencanto que provocava nele e em seus companheiros de emigração a miséria do seu Vêneto natal.
Desencanto que atravessou o oceano e os anos, a ponto de, quando eu começava a entender um pouco as coisas, ouvi-lo resmungar de quando em quando: "Piove, governo ladro".
Se, no século 19, já havia italianos capazes de achar que até a chuva era culpa do "governo ladrão", alguma surpresa com o fato de que 54% dos eleitores tenham votado no último domingo (4) em partidos antissistema, antipolítica, anti-Europa, anti-imigrantes, antitudo?
Convém, no entanto, separar as coisas: o voto na Liga, o partido xenófobo, faz parte do fascínio que uma pequena parcela dos italianos sempre sentiu pelo fascismo.
Se teve 17% dos votos desta vez, quatro vezes mais que no pleito anterior (2013), é porque a imigração tornou-se de fato um problema. Mas não é uma novidade.
A notícia do domingo chama-se Movimento 5 Estrelas, o mais votado isoladamente (32%).
O M5S foi o estuário em que desaguou o desencanto dos italianos com o mundo político, mas somou ao aproveitamento dele uma absoluta novidade: "O M5S é algo que o mundo deveria estudar. É o único partido que conectou a política com a revolução digital", disse a El País o escritor italiano Alessandro Baricco.
E acrescentou uma frase que deveria chamar a atenção dos brasileiros interessados em política (especialmente os enfastiados com ela): essa conexão entre política e revolução digital "acontecerá em todos os lugares".
A inserção do M5S no mundo digital é, a rigor, a única coisa que se pode afirmar com clareza sobre suas ideias e propósitos. Afinal, Beppe Grillo, o comediante que o inventou em 2009, acaba de defini-lo assim, se é que pode chamar de definição uma frase como esta: "Somos um pouco democrata-cristãos, um pouco de direita, um pouco de esquerda e um pouco de centro. Podemos nos adaptar a qualquer coisa".
Um levantamento da Ipsos Public Affairs, publicado na quarta (7) pelo jornal Il Sole 24 ore, confirma que o eleitor do M5S também tem uma identidade difusa: "A coisa que mais chama a atenção na vitória do 5 Estrelas é a transversalidade", diz o relatório, ou seja o fato de que o votante do movimento atravessa gerações, profissões e classes sociais.
Prevalecem os jovens, a ponto de ter obtido a preferência de 26% dos que votavam pela primeira vez, porcentagem que mais que duplica o primeiro voto nos partidos que o seguiram nesse tipo de eleitor.
Resume Mario Calabresi, diretor do jornal La Repubblica, em artigo para El Pais: "Esse amarelo [a cor do M5S] é o grito dos que se sentem excluídos do futuro e perderam toda a confiança na política tradicional."
Meu avô tinha idêntico sentimento e seu "voto" foi fugir para o Brasil. Triste é verificar que, agora, essa terra que era da esperança abriga um bom número que compartilha sensações similares em ano igualmente eleitoral.
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