A política italiana é tão caótica que o país teve 64 governos nos últimos 70 anos. Por incrível que pareça, na eleição de domingo (4), conseguiu dar um passo adiante e, com ele, tornar-se ainda mais caótica.
Dos resultados, surge o seguinte resumo: o governo perde, a política tradicional perde, mas ninguém ganha, pela simples razão de que não surgiu partido ou coligação com maioria suficiente para governar.
Se a confusão já não fosse grande o suficiente, há dois ganhadores diferentes: como coalizão, ganha a centro-direita, mas, como partido isolado, ganha o indefinível M5S (Movimento 5 Estrelas), que nasceu faz apenas cinco anos e é o campeão da antipolítica.
Ao ser o mais votado, perde, pois, a política.
Mas a política tradicional perde também com a vitória da coligação de centro-direita, porque o que havia de tradicional nela (a Força Itália, do inoxidável Silvio Berlusconi) teve menos votos do que a xenófoba e anti-europeia Liga (antes Liga Norte). É a primeira vez na história das conturbadas relações entre Berlusconi e “leguistas" que o veterano político de 81 anos fica atrás de seus sócios.
A derrota de Berlusconi foi explicitada já na madrugada desta segunda-feira (5), quando Matteo Salvini, líder da Liga, se declarou com “o direito e o dever” de governar. Mata, com essa frase, o candidato de Berlusconi para presidente do Conselho de Ministros, Antonio Tajani, presidente do Parlamento Europeu (o próprio Berlusconi está impedido de governar, condenado por fraude tributária).
Para o imbróglio ser completo, ofereceu-se também Luigi di Maio, o jovem (31 anos) líder do M5S, montado nos seus 32% de votos, pouco menos do que o dobro da Liga (17%).
Caberá ao presidente Sergio Mattarella decidir agora quem chama primeiro para conversar sobre a formação do governo, se o líder do partido mais votado ou o líder do partido mais votado na coligação que teve mais votos.
O governo em funções é produto de um entendimento implícito entre Berlusconi e Matteo Renzi (Partido Democrático, centro-esquerda).
Se Berlusconi perde para a Liga e Renzi perde para o M5S, como perdeu, é uma clara derrota do governo.
Não deixa de ser um resultado estranho quando se sabe que, em 2017, a economia italiana cresceu 1,5% pela primeira vez no século 21, menos que a média europeia, é verdade, mas mais que zero que foi a média entre 2001 e 2015.
O desemprego reduziu-se, pouco, é verdade, mas caiu para 11,5%, o menor nível em cinco anos.
Não bastou para vencer. Dois fatores que levaram votos aos cestos da Liga e do M5S: o fastio dos italianos com os políticos, fenômeno similar ao de outros países (Brasil inclusive), e o susto com a chegada maciça de imigrantes.
É tamanho o medo que, embora os imigrantes sejam 8,8% da população, pesquisa recente mostrou que os italianos acham que são 30%.
A Liga, principal voz contra a imigração, se beneficiou nitidamente dessa sensação de invasão: praticamente quadruplicou os 4% de votos que havia obtido na eleição anterior, em 2013.
Por fim, depois dos sustos superados na Holanda, na França e na Alemanha, a Europa tropeça na Itália: tanto a Liga como o M5S são críticos ou da política desenhada em Bruxelas ou da própria ideia de União Europeia.
O susto só fico um tiquinho menor porque, primeiro, o M5S de agora é, para Massimo Franco, colunista do Corriere della Sera, “uma versão edulcorada, menos antissistema". Se é assim e se for chamado a governar, não se aventurará a questionar a Europa.
Já a Liga, para governar terá que manter a coligação de centro-direita unida, o que implica acalmar Berlusconi, cujo vínculo nem sempre tranquilo com a Europa foi claramente exposto com a indicação para premier de Antonio Tajani, presidente de um instituição europeia.
Enfim, depois da tempestade que foi a eleição, a Itália terá que mergulhar fundo no seu caótico labirinto político.
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