Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi
Descrição de chapéu refugiados

O apocalipse da informação

'Fake news' instalaram uma confusão tal que ninguém sabe em que acreditar

São Paulo

A catarata de “fake news” e a reação a elas criou um “infopocalypse” —um apocalipse da informação, neologismo criado por Aviv Ovadya, do Centro para a Responsabilidade da Mídia Social. Um caos provocado por uma conjunção realmente apocalíptica: ninguém acredita em nada ou todo mundo acredita em mentiras, disse Ovadya ao WorldPost, parceria entre o Instituto Berggruen e o jornal The Washington Post.

Não apareceu, até agora, nenhuma iniciativa realmente eficaz contra a proliferação de “fake news”, até porque elas têm um poder de atração assustador, como constatou Kate Starbird, diretora do Laboratório para Competências Emergentes de Participação em Massa.

Entrevistada pelo NiemanLab, Starbird disse que quem mergulha nesse mundo só tem uma maneira de sair dele: “Amarrar uma corda em seu tornozelo e pedir que alguém o puxe de volta”.

Mesmo sendo uma especialista, ela confessa que teve dificuldades para fazer o relatório a respeito (não só ela mas também sua equipe de pesquisadores e seus estudantes): “Ficamos muito confusos sobre o que estava acontecendo e sobre como é difícil dar sentido às coisas”.

Se é assim com quem entra nesse mundo sabendo mais ou menos o que a espera, imagine comigo, com você, com quem, afinal, está mais ou menos desprevenido. Não que “fake news” sejam invenção recente; o que acontece é que a massificação delas criou de fato um cenário aterrorizante.

Para dar uma ideia do tamanho da invasão, El País teve acesso a uma montanha de mensagens criadas principalmente por “sites” russos para tentar fazer a cabeça dos italianos. Foram mais de 1 milhão de mensagens, emitidas por 98 mil usuários de redes sociais, voltadas acima de tudo para criar alarme  nacional contra os imigrantes.

Uma delas dizia que, em 2065, 40% da população italiana seria formada pelos imigrantes, o que traria um conflito social. Não é coincidência o fato de que a questão da imigração tornou-se central para as eleições italianas a se realizarem neste domingo (4).

O problema para separar fatos reais de exageros como o citado é que há uma realidade que facilita exageros: no auge da crise da imigração, em 2016, a Itália recebeu 181 mil imigrantes. 

Qualquer país se alarma com essa chegada em massa, como o demonstra a reação no Brasil a uma invasão muito menos maciça de venezuelanos.

Fica fácil aceitar mensagens como “é melhor ser sem coração do que perder a própria pátria”, como dizia um dos “posts” que o El País analisou.

Consequência inevitável, na análise de Nathan Gardels, editor-chefe do WorldPost: “A praga de ‘fake news’, fatos alternativos, discurso de ódio e câmaras de eco corrompeu de tal maneira o discurso público que praticamente em toda parte muitos não mais sabem em que acreditar”.

Desnecessário dizer que, no Brasil, ainda mais neste ano eleitoral, o discurso público, que nunca foi dos mais ricos e já estava corrompido havia algum tempo pela guerra tribal entre grupos políticos, ficará mais indigente.

Abrem-se, dessa maneira, as portas para o “infopocalypse”. Salve-se quem puder.

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