Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

A cúpula dos desacreditados

Nunca antes na história de Brasil e América Latina governantes estiveram tão desprestigiados

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De calça marrom, camiseta branca e boné bege, homem usa flanela marrom para limpar um banner quadrado branco com a frase "Cumbre de las Américas" (Cúpula das Américas em espanhol); ao fundo aparecem três paraciclos e uma das paredes de vidro do centro de convenções onde será o evento
Funcionário limpa banner da Cúpula das Américas na entrada do local do evento de chefes de Estado e de governo em Lima, no Peru - Ivan Alvarado/Reuters

Pela primeira vez na vida, Nicolás Maduro, o ditador venezuelano, produziu uma frase que corresponde à realidade: disse que cúpulas são uma grande perda de tempo.

Definição que, mais que em qualquer outra ocasião, se aplica à Cúpula das Américas, que se inaugura nesta sexta-feira (13) em Lima, no Peru.

Perda de tempo, antes e acima de tudo, porque significativa maioria dos latino-americanos desacredita das instituições públicas, das quais os governantes que estarão em Lima são os representantes mais visíveis (ou mais midiáticos).

Os números a respeito são contundentes: três de cada quatro cidadãos da América Latina têm pouca ou nenhuma confiança nos seus governantes. Cerca de 80% —perto de quatro em cinco, portanto— acredita que a corrupção está disseminada nas instituições públicas.

É o que mostra "Perspectivas Econômicas da América Latina-2018", um relatório produzido em conjunto pela OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), considerado o clubão dos países ricos, pela Cepal (Comissão Econômica para América Latina e Caribe) e pela CAF (Corporação Andina de Fomento), uma espécie de banco de desenvolvimento latino-americano.

A esse descrédito disseminado, convém acrescentar que os presidentes de três dos principais países da região são o que o jargão americano chama de "lame duck", pato manco, pelo fato de estarem ou no fim do mandato ou terem perdido condições de efetiva governabilidade. São eles o brasileiro Michel Temer, o colombiano Juan Manuel Santos e o mexicano Enrique Peña Nieto.

Nessas circunstâncias, é inviável que a cúpula produza resultados significativos. Até porque, o único projeto relevante de cúpulas anteriores surgiu em 1994, a primeira cúpula, com o lançamento da ideia de Alca (Área de Livre Comércio das Américas).

Vinte e quatro anos depois, a ideia não passou disso, uma ideia.

A julgar pelo relatório da OCDE/Cepal/CAF, mais importante do que qualquer cúpula seria "avançar na direção de instituições mais confiáveis, mais capazes, mais abertas e mais inovadoras". Seria a melhor (ou única?) maneira de chegar a "um maior desenvolvimento inclusivo".

Difícil discordar do relatório quando diz que a desconfiança dos cidadãos "está levando a uma desconexão entre sociedade e instituições públicas, pondo assim em risco a coesão social e debilitando o contrato social".

Se não bastasse esse descrédito colossal nas instituições, a cúpula se dá em um momento em que a economia conhece uma recuperação apenas tímida, após três anos de desaceleração e de uma recessão de dois anos (2015-2016).

Descrédito das instituições, desconexão entre a sociedade e seus representantes, economia pouco mais que anêmica —vale para o conjunto da região, mas vale muito mais ainda para o Brasil.

Alguns dos países da cúpula (Argentina, principalmente) querem extrair dela uma manifestação mais dura de condenação da ditadura venezuelana. A oposição dos países ditos "bolivarianos" torna inexequível uma ação de todos os presentes em Lima —o que só faz aumentar a sensação de que a cúpula será, de novo, uma perda de tempo.

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