Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Clóvis Rossi

A encruzilhada de Israel aos 70

Paridade de populações árabe e judaica é desafio para autoridades israelenses

Judeus observam Jerusalém de cima do Monte das Oliveiras - Ahmad Gharabli/AFP

Israel festeja nesta quarta-feira (18) 70 anos em um momento que traz o desafio talvez mais complexo para um Estado cuja história de vida é tudo, menos fácil ou simples.

O desafio, ao contrário do que sugere o noticiário habitual, não está nos túneis que militantes do Hamas tentam cavar para, eventualmente, penetrar em Israel e praticar atentados. Não está, tampouco, nas seguidas ameaças do Irã de exterminar o Estado judeu. Nem no fato de ainda estar tecnicamente em guerra com dois dos quatro vizinhos (Líbano e Síria).

Israel já nasceu militarmente desafiado pelos países árabes que não aceitaram a criação do país, determinada pelas Nações Unidas. Ganhou todos os desafios.

A encruzilhada a que chegou Israel se deve à revelação, pelas próprias autoridades israelenses, de que há uma paridade entre judeus e árabes no território que vai do rio Jordão ao mar Mediterrâneo, a (pequena) área que, pela ONU, deveria ser compartilhada por judeus e palestinos.

São 6,5 milhões de cada tribo.

Qual a consequência da paridade, só agora contabilizada?: “A atualização dos dados populacionais mais uma vez coloca na linha de frente da arena política a tensão inerente entre as naturezas judaica e democrática de Israel", escreveu no início do mês Yossi Beilin, um liberal (esquerda, portanto) que serviu em diferentes postos ministeriais entre 1995 e 2001.

Traduzindo: se crescer a onda em curso de defender um só Estado para judeus e palestinos, em pouco tempo Israel deixará de ser um país de maioria judaica. Nascem, desde sempre, mais palestinos do que judeus.

Se já estão em paridade hoje, em um par de anos haverá mais palestinos que judeus.

Manter a supremacia dos judeus implicará, portanto, impedir que os palestinos tenham todos os direitos nesse eventual Estado único.

Ou, voltando à análise de Beilin:

“Os nacionalistas, que se opõem a dividir a terra entre israelenses e palestinos, sugerem assegurar a característica judaica do país por meio da imposição de soberania sobre todos os palestinos vivendo em Israel e nos territórios ocupados. Esse cenário garantiria direitos individuais aos palestinos nos territórios ocupados, mas não o direito ao voto".

Posto de outra forma: assegura-se o caráter judaico de Israel mas não a sua natureza democrática.

A outra hipótese seria a defendida por setores de esquerda não-sionistas (os sionistas defendem o direito à autodeterminação do povo judeu e à existência de um Estado nacional judaico independente e soberano). Eles também pregam um Estado único para os dois povos, mas com total igualdade, inclusive o direito de os palestinos votarem e serem eleito para o Knesset (o Parlamento).

Conclusão inescapável, sempre de Beilin: “Isso permitiria a formação de uma futura maioria palestina, que substituiria a natureza unicamente judaica de Israel, especialmente no que se refere a políticas como encorajar a imigração de judeus, a fortalecer os laços do Estado com a diáspora judaica e até a defender a 'Lei do Retorno’ que, atualmente, permite a todos os judeus obter a cidadania [israelense] se se mudam para Israel".

Desnecessário dizer que Beilin defende a solução dos dois Estados. Nesse caso, sim, a demografia é confortável para os judeus: o mais recente boletim populacional do Escritório Central de Estatísticas contabiliza 6,589 milhões de judeus e 1,849 milhão de árabes no território que caberia a Israel segundo a ONU (excluindo portanto os árabes da Cisjordânia e de Gaza, territórios em que, sempre segundo a regra internacional, pertenceriam aos palestinos).

Esse Israel, sem os territórios ocupados, é um tremendo sucesso de público entre os judeus: em 1948, no nascimento do Estado, havia apenas 806 mil pessoas em Israel, menos de um décimo do número atual de 8,842 milhões (somando-se judeus, palestinos e cristãos não-árabes).

Só 6% dos 11,5 milhões de judeus espalhados pelo mundo estavam em Israel. Hoje, são 45% os que residem em Israel.

É esse sucesso de público que, com a paridade populacional agora anunciada, chega “à decisão histórica que tem tratado de adiar ou reprimir", conclui Beilin: ou dois Estados ou um só Estado que não poderá ser ao mesmo tempo judaico e democrático.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.