Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Clóvis Rossi

A morte vence a esperança

Chegada de caravana com imigrantes da América Central a Tijuana mostra a violência da região

A chegada da caravana de migrantes —a maioria procedente de Honduras, El Salvador e Guatemala— à fronteira entre México e Estados Unidos acaba sendo uma cena explícita de como a morte está vencendo a esperança.

Pode ser que, entre o grupo que estacionou em Tijuana, haja malandros, trambiqueiros e até traficantes.

Mas está claro que a maioria quer apenas escapar da perspectiva de morte provável (e não só entre eles, mas também no imenso conjunto de fugitivos desses países ou de outros da América Latina).

Parte dos migrantes da caravana aguarda em Tijuana, no México
Parte dos migrantes da caravana aguarda em Tijuana, no México - Guillermo Arias - 26.abr.2018/AFP

Na sexta-feira (27), o Instituto Igarapé, precioso centro de estudos sobre a violência, divulgou extenso relatório sobre a segurança no subcontinente, comparando-a com o resto do mundo.

Os números são uma demonstração definitiva de que a morte está vencendo a guerra não declarada em curso na América Latina.

Citar alguns deles dispensa maiores comentários:

1 - Com apenas 8% da população mundial, a América Latina registra 33% dos homicídios.

2 - Desde o ano 2000, houve, na região, 2,5 milhões de mortes violentas, a maioria por homicídio intencional. Para comparação: é como se toda a população de Sergipe tivesse sido eliminada a bala nesse período.

3 - A América Latina registra 21,5 homicídios por 100 mil habitantes, três vezes a média global (7/100 mil).

4 - Brasil, Colômbia, México e Venezuela concentram 1 de cada 4 homicídios que acontecem no planeta.

Escapar de se tornar mais um número nessa sinistra estatística é, pois, um desejo perfeitamente natural.

No caso específico da caravana que chegou a Tijuana, o desejo é ainda mais explicável: El Salvador é o país com o maior número de homicídios por 100 mil habitantes no mundo e Honduras fica no quarto lugar desse ranking trágico. 

A Venezuela é a terceira colocada, mas os que fogem de seu colapso buscam mais os vizinhos Colômbia e Brasil, porque os Estados Unidos ficam mais longe.

Atenção, brasileiros com orgulho patriótico: o Brasil também é um desastre nesse capítulo. O relatório do Igarapé contabiliza 57.395 homicídios em 2016 (último ano disponível), o que dá 27,8 mortes violentas por 100 mil habitantes.

É mais que a Guatemala, por exemplo (26/100 mil). Pior: reportagem de sexta-feira (27) de El País relata que Natal (RN) teve, em 2017, 107 assassinatos/100 mil habitantes. Mais que o recordista mundial, El Salvador (60 por 100 mil).

Em um mundo mais civilizado, deveria haver alguma solidariedade com os que fogem da morte. Mas os Estados Unidos reagiram com a militarização da fronteira, por mais que o Wola (Washington Office on Latin America) informe que não é ilegal pedir asilo nos Estados Unidos, como é o desejo expresso dos migrantes.

É razoável aceitar que os EUA (ou qualquer outro país) tenham dificuldades em aceitar massas de migrantes. Caberia, então, a todos os governos das Américas enfrentar essa epidemia de violência para que os latino-americanos pudessem atravessar a rua sem sentir o hálito da morte, em vez de serem obrigados a cruzar fronteiras para fugir dela.

Nenhum deles tem algum projeto consistente a respeito. A morte agradece.

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.