Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

​Na Espanha, nos primeiros anos pós-ditadura (definitivamente sepultada com as eleições de 1977), costumava-se brincar dizendo: “CONTRA Franco vivíamos melhor".

Era uma alusão ao fato de que, durante a ditadura do generalíssimo Francisco Franco Bahamonde, “caudillo de España por la gracia de Dios”, era fácil tomar posição: uma fatia, que minguava a cada ano, apoiava o ditador; a maioria, de todas as cores políticas, menos da extrema-direita, era contra.

Aí veio a democracia e logo se constatou que ela é incapaz de resolver instantaneamente todos os problemas. Traz de volta, no ato, a liberdade, os exilados políticos, os presos políticos, as liberdades públicas. Mas a economia, a saúde, a educação e tudo o mais dependem de consensos sociais tão amplos quanto possíveis para serem equacionados. Consensos, aliás, que só a democracia permite eventualmente alcançar.

Suspeito que, no Brasil deste pós-Lula, muita gente vai acabar repetindo a frase irônica dos espanhóis: “CONTRA Lula, vivíamos melhor".

Para ser sincero, nem sei se de fato o país está entrando no pós-Lula. Se até o passado costuma ser imprevisível neste pobre país, imagine então o futuro, mesmo o mais imediato.

De todo modo, aceitemos que Lula, preso ou não, estará inabilitado para candidatar-se pela Lei da Ficha Limpa.

É inevitável, nessas circunstâncias, que a eleição deste ano se torne a mais imprevisível desde a redemocratização, conforme já anteciparam meus gurus do Datafolha, Mauro Paulino e Alessandro Janoni.

Basta um dado para dar razão aos dois: será a primeira vez na minha longa vida (75 anos) em que votarei, se vier a fazê-lo, sem que entre os candidatos esteja Luiz Inácio Lula da Silva ou um poste indicado por ele.

A primeira vez que votei para presidente foi em 1989. Lula era candidato. Depois, candidatou-se de novo em 1994, 1998, 2002, 2006. Foi ao segundo turno em 1989 e ganhou nos dois últimos anos citados. E indicou um poste chamado Dilma Rousseff para 2010 e 2014.

Dois jornais estrangeiros, mencionados na sempre excelente coluna de Nelson de Sá desta sexta (6), já antecipavam um certo clima de “contra Lula vivíamos melhor” (ou, pelo menos, havia mais clareza): o Financial Times dizia que Jair Bolsonaro, líder nas pesquisas quando Lula é excluído, pode até perder o apelo de anti-Lula.

O alemão Süddeustsche Zeitung confirmava, ao escrever que Bolsonaro “se alimenta em grande parte do ódio a Lula".

Parece óbvio que todo o mundo político terá que trocar o “chip” eleitoral se se confirmar a exclusão do líder petista.

A esquerda será obrigada em algum momento a começar a pensar em propostas e ideias, já que seu único projeto —o culto à personalidade (de Lula), coisa profundamente estalinista— ficará no passado. Quer dizer, pode até acontecer de o PT preferir fazer do culto à personalidade do seu líder um ativo eleitoral. OK, cada um faz o que quer de sua vida. Mas se o candidato escolhido pelo partido se eleger com base no culto ao lulismo, uma vez empossado terá que desenvolver suas próprias propostas e afiançar sua liderança.

(Ressalvo Ciro Gomes, que tem apresentado algumas ideias. Se boas ou ruins, o eleitor julgará. Mas até ele fica soterrado sob os escombros do lulismo).

A direita e o centro, por sua vez, terão que abandonar o discurso do medo a Lula. Liberais terão que ser liberais de fato e não apenas contrários a um suposto estatismo de Lula (estatismo desmentido pelo fato de que seu ministro da Fazenda "de facto", o então presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, é um liberal de carteirinha).

Conservadores terão que ser conservadores em temas como aborto, casamento de homossexuais etc, geralmente controvertidos.

E todos —direita, centro e esquerda— terão que enfrentar a questão da segurança pública, que chegou a um grau de deterioração absurdo, ante a inapetência ou incompetência de todos os governos dos últimos muitos anos.

Não sei se os brasileiros dirão algum dia que contra Lula viviam melhor. Mas é possível —e desejável— que a saída de cena dele, se de fato ocorrer, permita superar esse claustrofóbico ambiente de seita religiosa em que uns santificam Lula e outros o demonizam, enquanto o país vai afundando mais e mais.

Erramos: o texto foi alterado

Diferentemente do informado, não houve segundo turno nas eleições presidenciais de 1994 e 1998.

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