Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

Ninaríamos um bebê na política brasileira?

Precisamos urgentemente de uma gravidez na política brasileira

Pablo Iglesias e Irene Montero comemoram após os resultados das eleições espanholas em 2016
Pablo Iglesias e Irene Montero comemoram após os resultados das eleições espanholas em 2016 - Gerard Julien - 27.jun.2016/AFP

Precisamos urgentemente de uma gravidez —de preferência de gêmeos— na política brasileira.

Pode parecer “kitsch", um exagero sentimentalista que ataca um velhinho como eu, cansado de guerras, mas é a sensação causada pela notícia de que Pablo Iglesias e Irene Montero terão gêmeos.

Quem são? Ele, 39 anos, é o principal líder de “Podemos"; ela, 30, é a segunda na hierarquia do grupo, como líder de sua bancada parlamentar.

“Podemos” é a agrupação que nasceu dos protestos de rua (o chamado movimento dos indignados na Espanha). É, portanto, quase revolucionário.

No mínimo, desafia os partidos estabelecidos. Desafio tão poderoso que “Podemos” foi essencial para desmontar o bipartidarismo de fato que vigorava na Espanha desde a redemocratização há 40 anos. Junto com “Cidadãos", outro movimento nascido de baixo para cima, este à direita, incrustou-se entre os tradicionais Partido Popular (conservador) e Partido Socialista Operário Espanhol (centro-esquerda).

Por que a gravidez de Pablo e Irene deveria ser imitada na política brasileira? Porque, escreve Rubén Amón para El País desta segunda-feira (2), trata-se de “uma balada de amor no rock duro de Podemos".

Como, no Brasil, praticamente todos os partidos relevantes estão tocando rock pauleira e o barulho tornou-se insuportável, uma balada de amor viria bem.

Leia-se o que escreveu Irene Montero para anunciar a gravidez: “Pablo e eu tomamos um caminho que, nos próximos meses, revolverá nossas emoções, transformará meu corpo e encherá nossas vidas de beleza e de algumas noites sem dormir".

Detalhe: escreveu no Facebook, esse instrumento do capitalismo com o qual “Podemos” tem uma relação no mínimo complicada.

É ou não uma “balada de amor"?

Os dois líderes humanizaram-se tanto com a gravidez que o que se está discutindo na Espanha é se ambos adotarão a licença que a paternidade/maternidade assegura aos mortais comuns (18 semanas para a mãe, no caso de gêmeos, e quatro semanas para o pai).

As regras não estendem a licença a parlamentares, mas, se ambos quiserem de fato dançar uma balada de amor, terão que se afastar nem que seja provisoriamente. E, aí, volta-se ao “rock duro” da política: abrir-se-ia um buraco na liderança do partido, exatamente no momento em que está em queda nas pesquisas.

Não seria mais ameno se, em vez de tiros, ovos e insultos, uma gravidez —nem precisa ser de gêmeos— trouxesse a política para mais perto dos mortais comuns? Pensando bem, é bobagem minha. Do jeito que o ódio veio para ficar no Brasil, os adversários do casal grávido duvidariam imediatamente que o pai é de fato o pai, xingariam a mãe daquilo que você está pensando e o pobre bebê dificilmente escaparia do linchamento verbal nas redes sociais.

Baladas não são, desgraçadamente, o ritmo do Brasil contemporâneo.

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