Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

Outro avanço do iliberalismo?

Hungria faz eleição que testa força de um líder que se orgulha de sua democracia iliberal

O primeiro-ministro Viktor Orbán faz comício de encerramento de campanha em Szekesfehervar, na Hungria - Darko Vojinovic - 6.abr.2018/Associated Press
São Paulo

A democracia liberal é um incontestável sucesso de público. Tanto que, nos dois séculos mais recentes, foi avançando de um país para outro, até abranger, na atualidade, mais de cem países, como lembram Steven Pinker, professor de psicologia na Universidade Harvard, e Robert Muggah, cofundador do brasileiro Instituto Igarapé, em artigo para o sítio On Point.

Os dois autores enfatizam ainda que preceitos essenciais da democracia liberal —separação de Poderes, direitos humanos, liberdades civis, liberdade de expressão e de reunião, mídia pluralista e eleições livres, justas e competitivas— só se enraizaram realmente no século 20.

Completam: “Até uns cem anos atrás, muitas sociedades oscilavam entre a anarquia e diferentes formas de tirania”.

O problema é que “diferentes formas de tirania” têm desafiado a democracia liberal, nos anos mais recentes. Neste domingo (8), a Hungria testa precisamente o vigor de uma desagradável variante, a “democracia iliberal”, uma contradição em termos.

Mas é dela que se orgulha o primeiro-ministro Viktor Orbán, que busca nesta eleição um quarto mandato consecutivo. The New York Times chega a definir Orbán como o campeão de turno da tal “democracia iliberal”. Características do modelo: o assalto às instituições democráticas, o ataque e o rechaço aos imigrantes e à União Europeia e um nacionalismo feroz.

Editorial do Times diz que o partido de Orbán (Fidesz ou União Cívica Húngara) “estimulou ativamente uma narrativa de vitimização dos húngaros e de etnocentrismo em escolas, teatros e universidades, ao mesmo tempo em que satanizava qualquer ponto de vista de oposição”.

Orbán, de resto, fez do megainvestidor George Soros o seu inimigo número 1, pintando-o como um dos propulsores de uma suposta ofensiva para levar não só a Hungria mas toda a Europa a uma “era pós-cristã e pós-nacional”.

Se fosse apenas na Hungria, já seria um problema, mas a tendência ao “iliberalismo” afeta outros países da Europa Central, para não mencionar governantes autoritários como o russo Vladimir Putin 
e o turco Recep Tayyip Erdogan.

Há até quem inclua Donald Trump na relação de presidentes com esse sentimento de nacionalismo exacerbado e xenófobo. Até agora, no entanto, ele fez mais trapalhadas do que propriamente violações grosseiras às regras da democracia liberal.

Seja como for, a ascensão de líderes e partidos com essas características cria inevitável desconforto e até certo pânico, como se viu em 2017 na Europa, durante eleições em que “iliberais” pareciam próximos de chegar ao poder ou, no mínimo, de avançar bastante eleitoralmente.

Orbán é claramente o favorito para ganhar neste domingo, mas a oposição prende-se a uma tênue esperança a partir do antecedente de Hodmezovasarhely: nessa cidade, feudo do Fidesz, a oposição conseguiu vencer, em fevereiro, a eleição para prefeito, graças a uma insólita aliança entre liberais, socialistas e o Jobbik, um grupo que também era de extrema-direita, mas está se movendo para o centro,  justamente para distinguir-se do Fidesz.

Se essa união se reproduzir nacionalmente, o “iliberalismo” pode perder, mas é uma hipótese 
que parece remota.

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