Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Clóvis Rossi

Tarde demais para salvar a Síria

Armas químicas são só parte do horror que destruiu país, ante a inércia da comunidade internacional

Soldado aparece segurando mangueira de incêndio e jogando água em foco com fumaça entre escombros de prédio; ele aparece ao longe no meio dos destroços
Soldado atira água em um prédio que era parte do Centro Científico de Estudos e Pesquisa da Síria no bairro de Barzeh, em Damasco, neste sábado (14) - Louai Beshara/AFP

Faço minhas as palavras do primeiro-ministro turco Binali Yildirim, após o ataque americano à Síria, com apoio francês e inglês: "Durante sete anos, pessoas foram massacradas na Síria. Onde vocês [os países atacantes] estavam até hoje? Nosso sistema de crenças e leis não aceita a matança de pessoas nem por armas químicas nem pelas normais".

Só um parênteses: o governo turco não é hoje precisamente um baluarte do sistema de crenças e leis, considerando-se a brutal repressão que vem executando.

Fecho o parêntese para voltar à Síria: a comunidade internacional assistiu passivamente à brutal destruição de um país. Números do massacre: 320 mil pessoas mortas, segundo o Observatório Sírio para os Direitos Humanos, ou 470 mil, pelas contas do Banco Mundial (a Síria tinha 23 milhões de habitantes ao começar o conflito em 2011); metade da população original fugiu; o custo de seis anos de guerra é avaliado pelo Banco Mundial em € 200 bilhões (R$ 844 bilhões); estão totalmente destruídas 27% das residências urbanas, 50% dos centros médicos e 43% das escolas.

Ninguém fez nada. Ou melhor, um punhado de atores relevantes meteu-se na guerra, não para brecá-la, mas para derrotar adversários. Os Estados Unidos, a Rússia, o Irã, a Turquia estão presentes, assim como atores não estatais, como o Hizbullah libanês, aliado do Irã, e os curdos.

Fora países do Oriente Médio que dão apoio a um grupo ou outro, sem necessariamente deslocar tropas.

O intrincado tabuleiro sírio é assim descrito por Judah Grunstein, editor-chefe da World Politics Review:

"A guerra civil na Síria é de fato vários conflitos ao mesmo tempo, alguns óbvios, alguns velados e outros escondidos. Há a campanha liderada pelos EUA em apoio às milícias curdas sírias para erradicar o chamado Estado Islâmico; a ofensiva do regime sírio, respaldada pela Rússia, Irã e pelo Hizbullah, contra vários outros grupos rebeldes; a ofensiva da Turquia para evitar que os parceiros curdos sírios dos americanos consigam o controle das fronteiras [entre Síria e Turquia]; e uma guerra nas sombras de Israel contra o Irã e o Hizbullah que, intermitentemente emerge à luz dos holofotes".

É óbvio que essa complexidade ajuda a entender por que a comunidade internacional pouco ou nada fez para conter o massacre.

Poderia ser diferente? No princípio da crise, até poderia: a rebelião contra a ditadura de Bashar al-Assad começou como um movimento desarmado da sociedade civil.

Naquele momento, algum tipo de intervenção internacional poderia ter levado a uma mudança de regime, como se fez na Tunísia e, no primeiro momento, no Egito.

Como não se fez nada, outros atores foram entrando em cena e chegou-se ao imbróglio atual.

Por mais que o ataque deste sábado (14) tenha se tornado inevitável ante o horror pelo uso de armas químicas, fica a avaliação para a Folha do brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro, que monitora a violação aos direitos humanos na guerra síria: "Toda escalada por parte de um estado membro influente na guerra da Síria é sempre desastrosa em primeiro lugar para população civil contra a qual a guerra é feita".

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.