Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

Um novo Paraguai vai à urna

País que simbolizava falsificações e contrabando agora é o que mais cresce na região

Funcionários preparam material de votação em Assunção, neste sábado (21), véspera das eleições presidenciais do Paraguai
Funcionários preparam material de votação em Assunção, neste sábado (21), véspera das eleições presidenciais do Paraguai - Eitan Abramovich - 21.abr.18/AFP

Há duas afirmações, aparentemente contraditórias, que se podem fazer sobre o Paraguai sem medo de errar.

Primeira afirmação: trata-se do país mais pobre da América do Sul, ainda que, em paridade do poder de compra, supere a economia da Bolívia.

Segunda afirmação: será o país que mais vai crescer na região este ano (4,5%), segundo o Fundo Monetário Internacional.

Para comparação: é o dobro do crescimento imaginado pelo Fundo para o Brasil (2,3%).

Haveria ainda uma terceira afirmação, mas esta é menos factual e mais subjetiva: o Paraguai é um vizinho distante, por contraditório que pareça. Tão distante dos olhares brasileiros que quase nenhuma atenção tem sido dada à eleição presidencial deste domingo (22), a sétima consecutiva desde o fim da ditadura de Alfredo Stroessner (1954/1989).


Detalhe incômodo: o candidato favorito, Mario Abdo Martínez, o "Marito", é filho do que foi secretário privado do ditador. Remete, de certa forma, a Jair Bolsonaro, o pré-candidato presidencial que defende a ditadura brasileira.

"Marito" não chega a ser tão enfático no apoio a Stroessner, mas não deixa de dizer, a respeito de seu partido, o Colorado (também o do ditador): "É o partido que construiu este país".

Nem poderia deixar de ser assim: os colorados (oficialmente, ANR ou Associação Nacional Republicana) estão no poder desde 1947, com um breve intervalo em que Fernando Lugo ganhou a eleição, para ser logo deposto, em controvertido processo de impeachment.

O Paraguai que a ANR construiu tem muitas sombras no passado e algumas luzes no presente. No passado, 35 anos de ditadura, pobreza aguda e uma economia que, na ditadura, "se baseava na falsificação de produtos, contrabando, narcotráfico, tráfico de armas", como admitiu a El País o presidente do Banco Central, Carlos Fernández.

Seria ilusório dizer que essas sombras se desvaneceram, mas os anos mais recentes mostram luzes. Diz, por exemplo, recente relatório do Banco Mundial: "Graças às suas estáveis bases macroeconômicas, um sistema financeiro sólido, a redução da pobreza e outras políticas dos últimos anos, o Paraguai está cimentando o caminho para o crescimento econômico com inclusão social".

De fato, na última década, o país cresceu a uma média de 5% ao ano, mais que qualquer vizinho. Década que inclui dados negativos para Brasil (a maior recessão da história) e Argentina (cinco anos de estagnação/desaceleração), exatamente os parentes ricos do Mercosul, o bloco que o Paraguai também integra.

Quanto à inclusão social, a Pesquisa Permanente de Lares mostrou que, se em 2012 a pobreza extrema machucava 7,38% da população, em 2017 caiu para 4,41%. A pobreza total reduziu-se de 31,37% para 26,4% no mesmo período.

Mas é exagero falar em "inclusão social" quando se sabe que o Paraguai continua sendo um dos países mais retrógrados da região em temas como aborto e casamento entre pessoas do mesmo sexo, como mostrou o belo trabalho de Diego Zerbato nesta Folha de sexta (20).

De todo modo, a estabilidade macroeconômica tende a dar a vitória a "Marito", igualmente reacionário nesse tipo de assunto.

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