Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Clóvis Rossi
Descrição de chapéu Itália

Começa (mal) a Terceira República italiana

Improvável coligação de populistas nasce sob cerco dos mercados e da Europa

Giuseppe Conte, provável novo premiê italiano, fala à imprensa após encontro com o presidente  Sergio Mattarella
Giuseppe Conte, provável novo premiê italiano, fala à imprensa após encontro com o presidente Sergio Mattarella - Alessandro Bianchi/Reuters

Com o voluntarismo típico dos movimentos ditos populistas, Luigi di Maio, líder do M5S (o Movimento 5 Estrelas), proclamou o começo, nesta quarta-feira (23), da Terceira República na Itália com a indicação do desconhecido jurista Giuseppe Conte para presidente do Conselho de Ministros.

O jornalismo italiano designa a Segunda República como a nascida após o rapa feito no sistema político local pela Operação Mãos Limpas, no período 1992/94. A Primeira República, claro, era a que vigorou do pós-guerra até a limpeza da Lava Jato em sua versão italiana.

Por que nasce uma nova República? Porque a eleição de março de 2018 tirou do poder os grupos políticos que mandaram até ela e deu a vitória a dois grupos ditos populistas, o M5S, pela esquerda, e a Liga, ex-Liga Norte, que, mais que populista, é xenófoba e fascistóide.

Vitória com sérias sombras: o M5S foi o partido mais votado, isoladamente, mas sem maioria suficiente para formar governo. A Liga foi a facção mais votada de uma coligação de direita, que incluía a Força Itália, do inoxidável Silvio Berlusconi, a figura dominante da Segunda República. Como o M5S vetou Berlusconi, restou a necessidade de se coligarem os dois populistas teoricamente antagônicos.

Se será de fato uma Terceira República, só se verá mais adiante. Por enquanto, o que dá para dizer é que o novo governo nasce sob um cerco inédito tanto do empresariado local como da União Europeia.

Lembra, guardadas as proporções, a pressão sobre a Grécia quando o país quebrou na esteira da crise de 2008.

Lembra também a pressão sobre Luiz Inácio Lula da Silva, quando o então presidente da Fiesp, Mário Amato, disse que 800 mil empresários deixariam o país se Lula fosse eleito (em 1989). Depois, em 2002, foi a vez de o megainvestidor George Soros dizer à Folha que se Lula fosse eleito seria o caos (como Lula se manteve à frente nas pesquisas, houve de fato algum pânico no mercado. Tanto que, eleito, ele se acomodou aos mercados, indicando, por exemplo, Henrique Meirelles para ministro da Fazenda “de facto", como presidente do Banco Central).

Na Itália, o pânico nos mercados se deve ao programa comum de governo acertado entre o M5S e a Liga: prevê, na essência, mais gasto público e redução de impostos —receita que a ortodoxia considera aceleradora do déficit público e da já imensa dívida pública do país.

Além disso, o nome que a nova coligação apontou para comandar a economia (Paolo Salvoni) é um conhecido crítico do euro, a moeda única europeia. Chegou a dizer, recentemente, que a Itália deveria preparar “um plano B para deixar o euro, se formos forçados a fazê-lo, gostemos ou não".

Na terça-feira (22) vieram duas respostas, no jornalismo econômico e no empresariado. No jornalismo, Martin Wolf, principal colunista do Financial Times, decretou que sair do euro criaria “uma crise monstruosa para a Itália e o dano provocado poderia levar anos para reparar".

Já o poderoso conglomerado empresarial Cofindustria, pela voz de seu presidente Vincenzo Boccia, defendeu a participação italiana na Europa: “Não podemos questionar o princípio de que só juntos podemos continuar a gerar bem-estar e coesão social".

A burocracia europeia reagiu com o recado nada sutil de que “a Itália precisa a continuar a reduzir sua dívida pública que é a segunda mais elevada na União Europeia, depois da Grécia", como disse Valdis Dombrovskis, vice-presidente da Comissão Europeia, responsável pelo euro.

Minha opinião: como tese geral, acho antidemocrática essa pressão dos mercados e de burocratas externos para que um dado país adote esta ou aquela política. Foi, aliás, o que observei ao próprio Soros, quando ele fez as declarações sobre Lula.

Ele respondeu algo como, assim como na Roma antiga só votavam os patrícios (os nobres), na atualidade, só votam os mercados. Errou: os plebeus votaram em 2002, elegeram Lula e foram recompensados com políticas que geraram crescimento maior do que no período anterior, aumentaram o emprego e a renda e amenizaram (muito levemente) as chagas sociais.

Ou seja, o eleitor deveria ser soberano para escolher quem quiser e ficar com o ônus ou o bônus se a escolha der errado ou certo.

No caso da Itália, é diferente: o eleitor não escolheu uma coalizão Liga/M5S. Ela me parece antinatural. Não é um bom começo para a suposta Terceira República.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.