Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

Na Nicarágua, o regime vai rachando

Até os sandinistas querem a saída de Ortega

Manifestante participa de protesto em Manágua, capital da Nicarágua, contra o presidente Daniel Ortega
Manifestante participa de protesto em Manágua, capital da Nicarágua, contra o presidente Daniel Ortega - Oswaldo Rivas - 15.mai.2018/Reuters

Começam a implodir pilares de sustentação do “orteguismo", o regime nicaraguense presidido por Daniel Ortega, que foi sandinista na origem mas hoje é apenas mais um daqueles caudilhos que infelicitam a história latino-americana.

O dado mais recente é uma pesquisa da firma CID Gallup que mostra que 63% querem Ortega fora do governo. Mais pesquisados ainda (67%) pedem a saída de sua mulher, a vice-presidente Rosario Murillo, considerada o verdadeiro poder por trás do trono.

São números que traduzem o grito de que “se vayan todos", uma constante nas ruas da Nicarágua, depois da feroz repressão praticada em abril contra manifestações de repúdio a uma reforma da Previdência Social. Ortega acabou retirando a proposta, mas os protestos não cessaram, prova de que o descontentamento é mais profundo.

No total, os mortos foram aos menos 53, 25 deles estudantes, a maioria menores de 25 anos, segundo o balanço feito nesta terça-feira (15) pelo sítio Confidencial, talvez o melhor meio de informação nicaraguense.

Um dado chama a atenção em especial na pesquisa: a maioria dos que se dizem sandinistas (cerca de 30% dos pesquisados) quer a saída da dupla —sinal de que nem seus partidários confiam neles.

Antes da pesquisa, já havia sido abalado um pilar do regime, o exército.

No sábado, seu comandante anunciara que não participaria da repressão às manifestações e ainda expressou solidariedade com as famílias das vítimas. Dado significativo quando se considera que o governo havia minimizado a violência da polícia e das milícias pró-governo e atacado os manifestantes como delinquentes.

O comunicado do exército diz ainda que “o diálogo é o único caminho” para evitar prejuízos irreversíveis ao país nos campos político, social, econômico e de segurança.

O diálogo —que começa nesta quarta-feira (16), por iniciativa da igreja— é o outro ponto que demonstra o enfraquecimento do governo: Ortega acabou por aceitar a investigação das mortes por parte da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, item que a igreja considerava essencial para servir como mediadora do diálogo entre o governo e os diferentes setores oposicionistas.

Aceitar uma investigação independente é expor-se a uma conclusão inescapável: as mortes são praticamente todas de responsabilidade da repressão policial e das milícias governamentais, uma vez que os manifestantes não usaram armas.

É sintomático, aliás, que a Conferência Episcopal Nicaraguense tenha incluído entre os temas que facilitariam o diálogo “suprimir os corpos paramilitares [as milícias] e as forças de choque", acusadas de agredir estudantes e cidadãos em geral.

Os bispos querem, ademais, uma reforma política, cujo ponto de chegada seria certamente o fim da autocracia “orteguista".

Todos esses movimentos significam que está próximo o fim do regime?

“Não sei responder", diz à Folha Sérgio Ramírez, escritor e ex-vice-presidente (no primeiro mandato de Ortega, após a vitória do sandinismo). Completa: “O que é seguro é que o período de crise não se resolverá sem uma mudança política profunda que Ortega não quer nem pode levar adiante".

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