Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi
Descrição de chapéu Venezuela

Na Venezuela, perdem todos, ganha a incerteza

A vitória da abstenção não tem consequência prática

Bem feitas as contas, todos os grandes atores políticos venezuelanos perderam com a farsa eleitoral deste domingo (20).

Para começar, se for correta a cifra oficial de apenas 48% de comparecimento (que é a previsão para quando a apuração for encerrada), dela derivam as seguintes constatações:

1 - Houve mais gente que não votou do que os que votaram por Nicolás Maduro. Ou, concretamente: um de cada três votos foi para o presidente e dois de cada três foram contra.

2 - É a mais alta abstenção em 50 anos (os especialistas em eleições venezuelanas dizem que a média de comparecimento rondava os 79%).

Sinal de um repúdio ao sistema sem precedentes.

3 - Maduro não só perdeu para a abstenção como teve, se os números oficiais estiverem corretos, 1,7 milhão de votos menos do que em 2013.

Sinal de um desgaste espetacular, mas natural, em um país em que 81% vivem em situação de pobreza, cerca de 13% estão desnutridos e mais de 1,6 milhão fugiram do país —ou, posto de outra forma, votaram com os pés contra o modelo.

Se a abstenção —​pregada pela maioria dos grupos oposicionistas — superou o comparecimento, então a oposição ganhou? Não exatamente. É uma derrota política para o governo, sim, mas não tem tradução institucional: Maduro continuará presidente e não parece ter a menor condição para mudar o rumo e tentar endireitar um país que, na prática, é hoje um Estado falido.

O que de melhor pode acontecer agora para a oposição é seguir a proposta de Lustay Franco, do Congresso Nacional de Juventudes, que já no dia da votação, pregou a unidade da oposição e o lançamento de um giro pelo país para mobilizar a população.

"Temos um desafio como juventude, como venezuelanos, iniciar uma dinâmica diferente", disse a líder estudantil.

Qual dinâmica está por se ver. Todas as que foram tentadas até agora pelos oposicionistas não funcionaram.

Tampouco funcionou a pressão externa, especialmente a do chamado Grupo de Lima, formado por 14 países latino-americanos, entre eles todos os mais importantes (Argentina, Brasil, Chile, Colômbia e México), sem contar Estados Unidos e Canadá.

O grupo decidiu na manhã desta segunda (21) chamar seus embaixadores em Caracas, uma espécie de rompimento “soft” de relações diplomáticas.

Não adianta muito: Maduro já afirmou que precisa apenas do apoio (ou omissão) de seis países: Belarus, Turquia, Índia, Irã e, principalmente, China e Rússia.

A dúvida deixada pelos resultados é simples: o governo conseguiu, com seus truques durante toda a campanha eleitoral (e antes dela), neutralizar a oposição. Mas não conseguiu levar os eleitores às urnas - proeza que estava muito além de sua capacidade.

Ficou exposto o fato de que não tem a maioria político-eleitoral. Tirará as devidas conclusões dessa evidência ou dobrará a aposta, aumentará o autoritarismo e levará, enfim, a Venezuela à catástrofe final?

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