Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

O gueto de Gaza, um inferno

As causas de fundo da revolta dos palestinos

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São Paulo

Quase tudo já foi dito sobre as mortes de palestinos em Gaza. Falta, acho eu, apenas acrescentar um olhar judeu sobre esse território, olhar que ajuda a entender a revolta.

Começo com Lior Tal Sadeh, do Movimento Judaico para a Mudança: “A situação em Gaza é muito, muito, muito ruim. Pobreza inconcebível. Condições de vida horríveis. Independentemente de se a culpa é ou não de Israel, é uma situação muito, muito ruim para eles e para nós. Essa situação deve ser enfrentada".

Mais detalhes sobre as “horríveis condições de vida” são apontados por Leah Solomon, diretora regional em Jerusalém de Encounter, que se define como organização não partidária que estimula uma liderança judaica mais informada e construtiva sobre o conflito Israel/Palestina:

“O que eu faria, se tivesse nascido e crescido em Gaza, um lugar em que 1,8 milhão de seres humanos estão amontoados em um pequeno pedaço de terra [365 quilômetros quadrados, menos que Jundiaí, por exemplo, que só tem 409 mil habitantes]? O que eu faria se fosse oprimido e negligenciado por meus próprios líderes, sitiado de um lado por Israel e por outro pelo Egito, isolado do resto do mundo durante a última década?".

Prossegue Leah: “O que eu faria se não tivesse acesso a água limpa ou tratamento médico adequado, se tivesse apenas umas poucas horas de eletricidade por dia, se não tivesse perspectiva de emprego?".

Há mais: “O que eu faria se sonhasse em deixar essa existência miserável e sonhasse com as histórias que meus pais e avós me contaram sobre seus idílicos lares a apenas uns poucos quilômetros de distância, que eu nunca vi e provavelmente nunca seria autorizado a ver?".

Ainda Leah: “O que eu faria se tivesse um profundo respeito pela vida humano e me horrorizasse com assassinatos —e uma fúria igual ante as mortes de milhares de membros de minha família, de amigos e vizinhos, nas três brutais guerras da década passada?”.

Nesse ponto, Leah justifica a revolta dos palestinos de Gaza, dirigindo-se aos israelenses como ela: “Nós esperaríamos que eles simplesmente abaixassem a cabeça e aceitassem seu destino? Há alguma forma de protesto e resistência que nós veríamos como legítima? Há algum meio pelo qual eles possam, em massa, expressar sua ira, sua saudade [do lar perdido], seu desejo por justiça e por um futuro melhor para suas crianças, sem que nós tomemos o protesto como uma ameaça à segurança e uma provocação que justifique atirar, matar?”.

Não é apenas uma visão romântica de uma israelense pacifista. A revista The Economist, que só um fanático chamaria de antissemita, no número que está nas bancas, conta sem poesia o que é Gaza: “A maioria dos habitantes não pode deixar seu encrave, por causa dos bloqueios de Israel e do Egito. A passagem de Rafah [que leva ao Egito] esteve aberta por apenas 17 dias nos primeiros quatro meses do ano.

Israel controla rigidamente os movimentos de bens e pessoas em suas duas passagens, Erez e Kerem Shalom. Há pouco emprego —44% estão desempregados— e pouco o que fazer nas cidades lotadas e empobrecidas".

Completa Khaled Elgindy, pesquisador no Centro de Política para o Oriente Médio, da Brookings Institution, que tampouco pode ser chamada de antissemita:

“Cerca de 39% dos palestinos de Gaza vivem na pobreza, com 80% dependendo de ajuda internacional em alimentos para sua sobrevivência. Noventa e sete por cento do suprimento de água de Gaza estão contaminados por esgoto e água do mar. De acordo com as Nações Unidas, escassez de água limpa e combustível, além de inadequados serviços de saúde e educação, tornaram a faixa essencialmente inabitável".

Tudo somado, alguma surpresa com a revolta dos palestinos? E, ante a total falta de perspectiva de que os dois lados se disponham ao menos a tentar tornar habitável a faixa de Gaza, só se pode concordar com a análise do Crisis Group desta terça-feira (15): “Os dias mortais em Gaza não serão os últimos".

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