Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Clóvis Rossi

A covardia da OEA sobre a Nicarágua

Resolução inócua sobre Venezuela e omissão sobre Manágua

De camiseta marrom, máscara cirúrgica verde e gorro preto, manifestante segura o morteiro, feito com um cano preto e que solta fumaça antes de disparar. Imediatamente atrás dele está uma bandeira da Nicarágua que é sustentada por uma barricada feita de paralelepípedos. Atrás da barricada é possível ver outras duas pessoas à esquerda, também mascaradas, na calçada de uma rua asfaltadas com os meios-fios pintados de amarelo.
Manifestante atira com morteiro de fabricação caseira contra a polícia durante protesto contra o presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, em Nindiri - Jorge Cabrera - 5.abr.18/Reuters

Esqueça a resolução da OEA (Organização dos Estados Americanos) sobre a Venezuela. Esqueça porque é inócua: a decisão de iniciar o processo de expulsão da Venezuela não será levada a cabo, pela simples razão de que são necessários 24 votos para adotar a expulsão no âmbito de uma assembleia extraordinária.

Como apenas 19 países aprovaram a proposta de dar início ao processo, não há votos suficientes para concretizar a expulsão. É claro que a votação demonstra claramente que a Venezuela está isolada na região, mas essa situação já era conhecida muito antes da reunião da OEA.

A proposta sobre a Venezuela é inócua também porque a própria ditadura venezuelana já havia iniciado o processo de afastamento da organização —o que significa que não se importa em ficar isolada.

Expulsar a Venezuela, mesmo que eventualmente se chegue a esse extremo, não vai provocar a queda da ditadura. A sobrevivência do nefasto regime depende de países que não fazem parte da OEA, em especial da Rússia e, acima de tudo, da China.

Mais significativa do que a decisão da OEA é a informação divulgada na segunda-feira (4) pelo jornal El País, segundo o qual a China cansou de jogar dinheiro no fracasso venezuelano e está parando de conceder créditos.

Pequim, por meio de seu Banco de Desenvolvimento e do Eximbank, concedeu a Caracas empréstimos avaliados em US$ 62 bilhões (R$ 236 bilhões) entre 2005 e 2016. Mas nos três anos mais recentes, o maná foi secando: US$ 5 bilhões em 2015; US$ 2,2 bilhões em 2016 e zero em 2017, bem como nos meses já transcorridos de 2018.

É por aí que a ditadura pode se ver forçada a corrigir suas políticas ou, no limite, a deixar o poder, por dissidências nas Forças Armadas. Talvez seja sintomático que, na mais recente onda de prisões, tenham sido alcançados 38 oficiais militares.

Mais grave que a inócua resolução sobre a Venezuela foi a covardia da Assembleia-Geral da OEA em relação à Nicarágua, outro regime que está se esgarçando.

O documento sobre a Nicarágua "toma nota" de declarações de vários Estados membros, além das do secretário-geral Luis Almagro e da CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos), "expressando preocupação e deplorando os atos de violência que ocorreram na Nicarágua e que deixaram dezenas de mortos e feridos".

Parece que a violência foi combustão espontânea ou culpa dos manifestantes contra o governo, quando a CIDH foi muito clara:

"A CIDH reuniu informação documental, audiovisual e ouviu centenas de depoimentos que evidenciam graves violações de direitos humanos durante um mês de protestos, caracterizadas pelo uso excessivo da força por parte de corpos de segurança do Estado e de terceiros armados [milícias governamentais]", afirmou Antonia Urrejola, relatora da missão à Nicarágua.

Mais: o uso da força, além de "dezenas de mortos e centenas de feridos", gerou "detenções ilegais e arbitrárias, prática de tortura e tratamentos cruéis, desumanos e degradantes; censura e ataques contra a imprensa e outras formas de amedrontamento".

Ou seja, está começando na Nicarágua exatamente o método que a ditadura venezuelana vem praticando e que motivou a moção para expulsá-la. No entanto, a OEA preferiu a pusilanimidade.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.