Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Erdogan, legalizador do sultanato

Já autoritário, presidente quer ampliar seus poderes

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A sombra da mulher aparece à esquerda do cartaz de fundo vermelho, enquanto o rosto de Erdogan está à direita
Mulher com véu islâmico faz sombra em cartaz de campanha do presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, em Istambul - Alkis Konstantinidis - 23.jun.18/Reuters

Recep Tayyip Erdogan, o presidente da Turquia, busca neste domingo (24) legalizar o que na prática já existe: um sultanato parecido com as autocracias típicas do antigo mundo muçulmano.

Ou, posto em termos mais adequados à ciência política: "Estas eleições podem ser a última chance de derrotar Recep Tayyip Erdogan, o presidente e homem forte do país, e evitar um colapso total das instituições governamentais turcas", escreveu Aaron Stein, pesquisador-sênior do Centro para o Oriente Médio do Conselho Atlântico.

Stein tem razão: se Erdogan sair vencedor da eleição deste domingo, além de ganhar mais cinco anos de mandato, terá amplos poderes. O posto de primeiro-ministro, até aqui teoricamente o mais importante, será abolido com a criação de uma Presidência executiva, modelo vitorioso em plebiscito realizado em abril do ano passado.

O modelo aprovado só entraria em vigor após uma eleição presidencial, razão pela qual Erdogan antecipou o pleito, originalmente previsto para o ano que vem. Tem pressa em assumir plenos poderes e, com isso, transformar-se em "novo sultão", título de um livro de Soner Cagaptay, diretor de Estudos Turcos no Instituto Washington para Política do Oriente Próximo.

Tem tanta pressa que já vem agindo como um sultão desde que trocou o cargo de primeiro-ministro pelo de presidente (ainda não executivo à época). E tornou-se ainda mais autocrático depois da fracassada tentativa de golpe de julho de 2016.

Os números da repressão e expurgo subsequentes são eloquentes: 51.967 demitidos de seus empregos, em especial no serviço público; 138 mil detidos; 78.687 presos; 3.003 escolas fechadas; 5.822 postos acadêmicos eliminados; 4.463 juízes e promotores demitidos; 189 organizações de mídia fechadas; por fim, 319 jornalistas presos.

É claro que os responsáveis por qualquer tentativa golpista, em qualquer país, têm que ser punidos. Mas Erdogan culpou pelo golpe o predicador Fethullah Gülen, radicado nos Estados Unidos, que havia sido seu aliado nos primeiros tempos no governo.

Eles promoveram em conjunto a ocupação de espaços de poder, tanto no serviço público como na academia e entre os militares.

Gülen, no entanto, acabou por romper com Erdogan, sob a alegação (difícil de contestar) de que o mandatário turco desviava-se crescentemente da democracia.

O expurgo pós-golpe dá cores de verdade às suspeitas de que Erdogan deixou de ser um raro, talvez único, modelo de governante democrático em um país de maioria muçulmana. Assim era tido no início de sua ascensão ao poder, a partir de 2002.

De fato, a Anistia Internacional afirma, em relatório divulgado recentemente, que "leis antiterroristas com uma formulação muito vaga são utilizadas para criminalizar as opiniões dissidentes".

Completa: "Um assustador ambiente de medo percorre a sociedade turca, à medida que o governo utiliza o estado de exceção [vigente desde a tentativa de golpe] para reduzir o espaço de quem sustenta visões alternativas".

Nesse ambiente, são enormes as chances de que Erdogan ganhe a eleição —e, com isso, legalize o sultanato já vigente na prática.

As tênues esperanças da oposição estão depositadas em duas possibilidades: que Erdogan não vença no primeiro turno e que não obtenha maioria absoluta no Parlamento.

Qualquer um desses resultados seria um arranhão no sultanato, mas não o suficiente para eliminá-lo.

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