Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

Greve geral fecha o cerco a Ortega

Reivindicar a democracia é o grande motor dos protestos na Nicarágua

Dois manifestantes mascarados se posicionam em cima de sacos de areia brancos e entre tonéis de metal azuis. O primeiro deles da esquerda para a direita está com um morteiro caseiro na mão, enquanto o outro estica a mão entre os sacos de areia.
Manifestantes se posicionam em barricada na entrada da Universidade Nacional Autônoma da Nicarágua, em Manágua, em protesto contra o presidente Daniel Ortega - Oswaldo Rivas - 12.jun.18/Reuters

A democracia pode estar perdendo seu charme em boa parte do mundo, Brasil inclusive, mas pelo menos na Nicarágua é o grande motor para um levante popular que, nesta quinta-feira (14), fecha o cerco ao presidente Daniel Ortega.

Está convocada uma greve geral que pretende ser "um gigantesco megafone para comunicar de forma inequívoca a decisão de um país que repudia seus governantes".

Palavra de Medardo Mairena, coordenador do Conselho Nacional em Defesa de Nossa Terra, Lago e Soberania. É uma das entidades mobilizadas no repúdio ao governo, nascida da resistência à iniciativa de construir um novo canal, concorrente do canal do Panamá, entregue a um obscuro empresário chinês (daí a Soberania no nome do conselho).

Na terça-feira (12), o empresariado aderiu à proposta de greve geral, somando-se, com isso, a camponeses (mobilizados faz tempo contra o novo canal), estudantes, entrincheirados em universidades, e demais setores sociais.

A adesão do empresariado é importante porque Ortega e sua mulher, a vice-presidente Rosario Murillo, ao voltar ao poder há dez anos, fizeram um pacto informal com a principal central empresarial (Cosep, Conselho Superior da Empresa Privada). O empresariado tinha carta branca para fazer seus negócios livremente, desde que não objetasse o crescente controle do poder por Ortega/Murillo.

O pacto rompeu-se em abril, quando Ortega tentou impor uma reforma previdenciária sem consultar ninguém e que funcionou como o estopim para o levante popular que se seguiu. E para a brutal repressão praticada pela polícia e por paramilitares controlados pelo governo.

O Centro Nicaraguense de Direitos Humanos contabilizou 146 mortos desde 18 de abril, a data dos primeiros grandes protestos, até o fim de semana mais recente.

A repressão e as mortes dela decorrentes não conseguiram desarmar a mobilização. A mídia local calcula que haja cerca de cem "tranques", como se denominam os bloqueios de estradas e vias públicas nas cidades, uma das táticas principais da rebelião. Nos "tranques", 6.000 caminhões estão retidos, impedindo a chegada de mercadorias procedentes dos outros países centro-americanos, o que causou, até agora, prejuízos avaliados em US$ 70 milhões (R$ 258 milhões).

O levante popular sitiou de tal maneira o governo que, segundo o jornal (oposicionista) La Prensa, Ortega teria manifestado à embaixadora americana em Manágua, Laura Dogu, a disposição de antecipar as eleições, previstas para 2021.

A embaixadora dos EUA transmitiu a informação aos líderes das manifestações, que, no entanto, não se comoveram: querem a renúncia do casal governantes, e não apenas antecipação do pleito.

Essa reivindicação, por si só, indica o quanto o sentimento democrático está cimentando a revolta. Mas, para ajudar a comprová-lo, há o fato de que a economia nicaraguense vai bem: cresceu 4,9% no ano passado e ficou sempre muito perto dos 5% nos quatro anos anteriores.

Ou seja, não há um pano de fundo de deterioração econômica a corroer o prestígio do governante, ao contrário do que ocorre no Brasil, por exemplo.

Na Nicarágua, a conspurcação da democracia é que devolveu às ruas os "muchachos", a exemplo de seus pais e avós que derrubaram o clã Somoza e não querem que se eternize um clã Ortega.

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