Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi
Descrição de chapéu Eleições 2018

A morte tem que estar na eleição

Segurança pública não é para amadores

Andrés Manuel López Obrador, o presidente eleito do México, lança em agosto uma iniciativa que deveria entrar na agenda de campanha de todos os candidatos presidenciais no Brasil.

AMLO, como é mais conhecido, quer elaborar uma estratégia para a segurança pública a partir de uma série de reuniões com peritos no tema, defensores de direitos humanos, líderes religiosos e representantes da sociedade civil, tanto nacionais como internacionais.

A ideia é elaborar o que ele chama de “receita mexicana” para a pacificação. Entre outros pontos, serão discutidos a descriminalização das drogas e o controle das áreas dominadas pelo crime organizado.

Como o primeiro encontro será em 7 de agosto e a posse de AMLO será em dezembro, dá mais do que tempo para que ele assuma já com a tal “receita” devidamente preparada.

Que é necessário, indispensável mesmo, ninguém duvida. Basta lembrar que, em 2017, houve um número recorde de assassinatos, desde que existem estatísticas no México.

Quando digo que a questão da segurança pública deveria ter lugar de destaque na agenda dos candidatos brasileiros é porque a situação no Brasil consegue ser ainda pior nesse capítulo vital: há 27,8 homicídios por 100 mil habitantes no Brasil (2016), ante 20,5 no México (2017).

Reportagem de capa da edição mais recente da publicação Americas Quarterly mostra que, embora apenas 3% da população mundial viva no Brasil, 14% das vítimas de assassinatos morrem no país.

Editorial desta Folha de 7 de junho tinha um título insólito (602.960). Correspondia ao total de homicídios de 2006 a 2016 e “deveria chocar a todos, a começar pelos presidenciáveis”, dizia o texto.

Como políticos brasileiros parecem impermeáveis a choques de qualquer natureza sobre a triste realidade, que pelo menos convoquem especialistas, a sociedade civil, enfim um conjunto de gente que possa sair das platitudes sobre a segurança pública, a violência, as armas e todo o imenso etc. que em geral cerca os pronunciamentos a respeito.

Não é simples elaborar a receita —mexicana, brasileira ou, de preferência, regional. O crime organizado é transfronteiriço e combatê-lo com eficácia requer ação conjunta. Ainda mais que a carnificina em curso não é uma triste realidade apenas de Brasil e México.

Brendan O’Boyle, editor-sênior da Americas Quarterly, relembra um dado já mais de uma vez divulgado: a América Latina tem apenas 8% da população mundial, mas é nela que ocorre um terço dos homicídios registrados no planeta.

Essas sombrias estatísticas acabam escondendo o que a revista chama de “histórias de sucesso”. Uma delas, no Equador: investimentos importantes, em 2011, em polícia comunitária levaram a taxa de homicídios por 100 mil habitantes a cair de 15,4 naquele ano para 5,7 em 2016.

Outros exemplos citados mostram um traço comum nos esforços para enfrentar o problema: “reduzir o número de homicídios requer investimentos de longo prazo direcionados às comunidades mais afetadas pelos homicídios e nas forças policiais que trabalham nelas”.

A tarefa é, pois, ciclópica, mas a inércia só fará o editorial da Folha no ano que vem ter como título um número ainda mais monstruoso.

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